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Verbetes - MAK0132

Como museu universitário de arte e espaço de formação, uma das ações do MAC USP é oferecer disciplinas optativas para toda a comunidade de alunos de graduação da Universidade.

A disciplina “MAK0132 - Arte do século XX no acervo do MAC” tem por objetivo tratar de questões da história da arte moderna a partir das obras pertencentes à coleção do Museu, na qual os alunos trabalham em visita às nossas galerias de exposição.

Em 2019, o MAC USP publicou seu acervo online (acervo.mac.usp.br). Foi através dele como ferramenta de pesquisa e preparação de listas que os alunos da disciplina MAK0132 fizeram seus exercícios no segundo semestre de 2020. Como trabalho final, propusemos a escrita de pequenos verbetes interpretativos a partir de uma lista de 32 obras do acervo que estão em domínio público. Cada estudante escolheu uma obra para desenvolver seu texto. Publicamos aqui os dez melhores verbetes apresentados como trabalho final da disciplina.

Ana Magalhães - docente responsável pela disciplina MAK0132 Monitor PAE: Breno Marques Ribeiro de Faria - doutorando do PGEHA e bolsista CAPES

Egon Schiele - Autorretrato, c. 1910
Piero Marussig - Donne al Ruscello [Mulheres à Beira do Riacho] , 1915
Käthe Kollwitz - Autorretrato , 1919
Ismael Nery - Figura Surrealista com Personagem Masculino Deitado , s.d.
Ismael Nery - Três Mulheres com Auscultador , s.d.
Sophie Taeuber-Arp - Triangles pointe sur pointe, Rectangle, Carrés, Barres [Triângulos opostos pelo Vórtice, Retângulo, Quadrados, Barras] , 1931
Erich Brill - Vista de Hamburgo, 1936
Wassily Kandinsky - Composição Clara , 1942
Ernesto de Fiori - Arlequim dançando , 1942
Emídio de Souza - Sem título , 1948


Egon Schiele - Autorretrato, c. 1910

Autora: Graziela L. Almeida

Austríaco dos tempos do Império, Egon Schiele foi um dos nomes mais importantes da pintura vienense. O artista foi protegido e financiado por Klimt entre 1907 e 1910 e se opôs às tradições acadêmicas. A sexualidade e a morte são temas comuns na vertente expressionista da Áustria-Hungria e o corpo é frequentemente associado ao sofrimento. O aparecimento da psicanálise influenciou diretamente o universo pictórico de Schiele. Existiu uma forte propensão para a autoanálise da sociedade e a observação dos outros e de si próprio esteve ligada a essa dedicação analítica do mundo mental. O autorretrato nu, comum na produção do artista, era uma prática pontual e rara, pois se o nu masculino era incomum na época, o autorretrato nu era ainda mais excepcional.

São inúmeras as influências na obra de Schiele. A fotografia possibilitou o estudo mais aprofundado do próprio corpo a partir de posições mais complexas e encenadas. Técnicas como o enquadramento em close-up ou o efeito distorcido atribuído às lentes de grande angular são utilizadas para explorar poses com um alto nível de dificuldade para longos períodos de tempo.

As poses do cinema são também notáveis na produção. Os gestos dos atores nos primeiros filmes mudos eram mais claros e expressivos para compensar o silêncio. A dança expressionista, a arte do mimo e as marionetas, estão associadas a isso, pois em todas essas produções o corpo se afirma como transmissor de uma mensagem.

O Autorretrato de 1910, com técnica em aquarela e crayon sobre papel de embrulho marrom, exibe o corpo nu de Egon Schiele. A posição intencional, previamente ensaiada, expõe a torção do braço direito que se prolonga até a mão agarrada ao cabelo. A expressão da figura com os músculos tensionados equilibrada pelo braço esquerdo estendido, parcialmente inacabado. Com as costelas salientadas, o corpo possui tons amarronzados não fiéis à realidade. As zonas erógenas e a face são destacadas e a composição é deslocada do centro óptico. Catártico e expressivo, o autorretrato possivelmente foi concebido com o auxílio de um espelho, frequentemente utilizado pelo artista por possibilitar antever o plano de visão do observador. Esta é a única obra de Schiele catalogada em um museu no Brasil.

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Piero Marussig - Donne al Ruscello [Mulheres à Beira do Riacho] , 1915

Autor: Giovanni Henrique Garcia

Ainda que Piero Marussig seja mais conhecido como um dos integrantes do Novecento Italiano, o seu percurso anterior a este período é constituído de uma produção expressiva, de sua formação na Academia de Munique e suas viagens no exterior até o seu retorno à Trieste, cidade de origem do artista no norte da Itália.

Em Mulheres à Beira do Riacho Marussig retrata a natureza de Trieste por meio de um ambiente iluminado pela luz do dia, com cores que se apresentam numa multiplicidade de tons. A composição da cena é feita de maneira difusa, recurso plástico evidenciado sobretudo na representação de banhistas no segundo plano do quadro, onde as pinceladas expressivas da pintura se fundem e as linhas se tornam menos nítidas. É possível reconhecer as figuras humanas no fundo do quadro pela semelhança tonal das mulheres em primeiro plano, onde o contraste entre a paisagem e as banhistas é evidente tanto pelas cores como pela delimitação das formas em tons mais escuros.

A contraposição de nitidez entre os dois planos do quadro concebe um ambiente onírico no qual é possível apenas distinguir os elementos principais, como as massas de vegetação, as banhistas e o rio.

Mulheres à Beira do Riacho ilustra o tema das banhistas: o retrato da figura feminina em um estado de natureza vivenciando a plenitude de seus corpos em uma paisagem que proporciona liberdade para a atividade banal de banhar-se no rio, ou nos gestos espontâneos de enxugar-se e de amarrar os cabelos.

Inserida em uma série de quadros com o mesmo tema produzidos por Marussig, a obra possui correspondência temática com as banhistas de Suzanne Valadon e As Grandes Banhistas de Cézanne, pintor cujas obras exerceram determinada influência nas telas do artista italiano.

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Käthe Kollwitz - Autorretrato , 1919

Autora: Helena Gurovitz

Käthe Kollwitz foi muito interpretada, inclusive no Brasil por nomes como Mário Pedrosa, como artista social por sua tematização da miséria e das classes trabalhadoras. Mas seus diversos autorretratos mostram que ela não se restringe a isso e exploram a visão da artista sobre si. Em 1919, quando este autorretrato é realizado, a Alemanha vivia uma crise com o pós-guerra e a instauração da República de Weimar. Para além do contexto sócio-político, a guerra teve implicações diretas na vida da artista que perde um filho no conflito, o que marcará o resto de sua vida e produção.

Kollwitz retrata a guerra não a partir do campo de batalha, mas dos efeitos que ela teve sobre seu corpo, o ambiente privado e a vida cotidiana. A falta de perspectiva, o cansaço, a melancolia deixados por ela estão presentes nas escolhas formais realizadas, assim como na expressão de sua face. O olhar para o lado, que desvia do olhar do público, os tons monocromáticos e o efeito esfumado provocado pela textura da grafia são exemplos disso. O rosto é centralizado e envolto por uma mancha escura que faz limite com o vazio do papel ao seu redor, não há plano de fundo, como é comum em seus autorretratos, o espaço é indeterminado e o vazio reforça a tristeza da composição. A artista se retrata como fragmento, uma figura incompleta e em permanente construção, o alto contraste adensa a escuridão ao redor dela e salienta as linhas de seu rosto, dando à obra forte potencial expressivo. Longe de reforçar um ideal de beleza, Käthe realça as marcas de seu envelhecimento, as rugas sob os olhos e o olhar cansado são também evidências da visão muito crítica que a artista tinha sobre si e seu trabalho, o que a levava à constante tentativa de aprimorar suas técnicas.

Mesmo que produzido no contexto de retorno à ordem estabelecido no entreguerras, a escolha pela representação figurativa e realista, que marca esse período, está presente desde as obras iniciais da artista e se mantém mesmo durante a ascensão das vanguardas. Ela realiza também xilogravuras expressionistas, como As mães (1922), mas nunca abandona o realismo por completo. Käthe queria que sua arte fosse acessível e para tal achava a representação figurativa mais condizente. Desejo que é relacionado também com a escolha pelas artes gráficas, influenciada pela obra de Max Klinger, que facilitavam a reprodução e distribuição de seus trabalhos.

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Ismael Nery - Figura Surrealista com Personagem Masculino Deitado , s.d.

Autor: Matheus Miranda Monteiro

Ismael Nery foi um artista marcado pela insubmissão às convenções artísticas e sociais de seu tempo. Movido por temáticas e problematizações diferentes daquilo que mobilizava o debate cultural modernista brasileiro, a obra do artista se afasta da preocupação nacionalista de seus pares. Ao longo de sua vida, interrompida precocemente aos 33 anos em decorrência de uma tuberculose, Nery buscou construir soluções plásticas para um ser humano essencial, desprovido de marcações de identidades regionais, sociais e sexuais.

Em Figura Surrealista com Personagem Masculino Deitado (s.d), observamos um corpo rasgado que questiona a própria individualidade do sujeito moderno. Assim como em grande parte das obras do artista, o desenho é caracterizado pela presença de fraturas nas regiões do tronco e dos braços, as quais rompem os limites do corpo e escancaram a sua estrutura interna. As hachuras e manchas que compõem essas operações não apenas revelam a habilidade exímia de desenho do artista - fruto de sua formação na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, mas também um entendimento da arte como um espaço no qual as limitações do corpo podem ser superadas pela desmaterialização da figura humana e pela fusão do eu com o outro.

Na obra, o encontro sutil da justaposição de uma figura masculina “fantasmática” no colo da personagem central propõe uma conciliação através do compartilhamento de características ambíguas. A conjugação entre o feminino e o masculino em um único ser é dada pela coexistência de atributos afeminados na região do torso e da face e de traços masculinizados na região do braço que são abstraídos e sombreados no personagem masculino deitado.

Assim como em outras obras do artista, Nery aparenta ter como pano de fundo uma mitologia alegórica centrada em si mesmo. A estética surrealista é apropriada como uma abertura criativa na qual as intervenções no corpo e as desfigurações transcendem o aparente, propondo um questionamento acerca das possibilidades do ser moderno se satisfazer a partir de uma identidade. Esta amplitude abre espaço para múltiplos caminhos interpretativos e aproxima Nery de um interessante misticismo que suspende as diferenças entre o eu e o outro.

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Ismael Nery - Três Mulheres com Auscultador , s.d.

Autor: Henrique Inhauser Caldas

Ismael Nery teve uma vida curta, mas seus 33 anos coincidiram com um momento marcante da arte brasileira. Nascido em 1900, em Belém, ainda na infância mudou-se para o Rio de Janeiro em um contexto de discussão do modernismo brasileiro. O artista embarca em um processo experimental mais pessoal e opta pelo caminho solitário ao recusar as aspirações nacionalistas. Suas composições são protagonizadas pela figura humana distanciada de convenções de tempo e espaço. É presente em sua obra a autorrepresentação, que pode ser observada pela insinuação de seu próprio rosto nas composições. Sua vida é repleta de contradições, o que reflete em obras que abordam dualidades, contrastes, corpos que não se definem.

Em "Três Mulheres com Auscultador", os elementos formais destacam seu experimentalismo, como a diversidade de linhas. As aproximações ao surrealismo aparecem principalmente no primeiro plano, com um corpo que intriga pelas suas cavidades, e elas recebem os fios do auscultador. A cena desestabiliza a expectativa pelo corpo idealizado, e tais elementos podem aludir ao ambiente médico. Ismael em certa altura da vida é diagnosticado com tuberculose, o que reflete em seu trabalho por meio da representação da vulnerabilidade física dos corpos. A posição deste corpo remete a alguma cena clássica da musa frente ao artista. O efeito do tecido sobre a perna também reforça isso, possivelmente por conta de seu interesse pela escultura greco-romana quando jovem. Portanto, Ismael reúne simultaneamente os aprendizados formais de sua trajetória artística e dados de sua própria biografia.

Ao todo, insinua-se o corpo humano, mas nem tudo se identifica de fato. Entretanto, à direita está a imagem mais precisa de um rapaz, ou um enfermeiro, que repousa sua mão sobre o corpo misterioso, e o examina com o olhar. Nery não persegue apenas a figura humana alheia como também a sua própria e sabendo dos traços marcantes que carrega faz questão de carimbar seu rosto nas composições.

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Sophie Taeuber-Arp - Triangles pointe sur pointe, Rectangle, Carrés, Barres [Triângulos opostos pelo Vórtice, Retângulo, Quadrados, Barras] , 1931

Autor: Rafael Manginelli Lamas

Sophie Taeuber-Arp (1889-1943) foi uma artista multifacetada. Professora de artes aplicadas, arquiteta, pintora, escultora, ilustradora e editora. Foi participante ativa do movimento Dada, com o qual teve contato no exílio durante a 1ª Grande Guerra. Na década de 20 e 30 se dedicou a diversos projetos de arquitetura e design de interiores e, na reta final de sua carreira, antes de sua morte acidental em 1943, foi identificada com os movimentos abstratos Cercle et Carré e Abstraction-Création.

Esta obra de Taeuber-Arp (1931) é um exemplo perfeito do vocabulário geométrico reduzido e da abstração, características que marcaram sua produção naquele momento e a sua colaboração e troca com Theo van Doesburg e o grupo Cercle et Carré, na França - a arte concreta.

Percebe-se, em primeiro lugar, alguma disciplina na disposição das formas geométricas, acompanhada pela sobriedade do fundo preto e a rigidez dos polígonos de ângulos agudos e retos. Ao mesmo tempo, o colorido das formas – entre as cores, as três primárias – ajuda a balancear essa primeira impressão, trazendo suavidade à pintura.

É visível, nesse mesmo sentido, que os elementos são cuidadosamente posicionados de modo a apenas aparentar uma desorganização. Contudo, observa-se em toda parte da obra que os traços das arestas dos triângulos, retângulos, quadrados e barras eventualmente se alinham, como que se o fundo escuro escondesse linhas de referência que as orientam.

Impossível, por fim, dissociar a obra da aproximação de sua autora à arquitetura e ao design de interiores. Em si, a obra já remete o observador a uma planta de um cômodo ou ambiente, mas, é quando se coloca a obra ao lado das demais produções de Taeuber-Arp nas artes aplicadas que se confirma a marca da autora de procurar equilibrar a rigidez e tensão com elementos lúdicos, coloridos, a exemplo do Café Aubette, em Strasbourg, projetado em conjunto com Van Doesburg.

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Erich Brill - Vista de Hamburgo, 1936

Autora: Rafaela Santana dos Santos

Erich Arnold Brill foi um pintor judeu-alemão nascido na cidade de Lübeck em 1895. Sua família mudou-se para Hamburgo quando ele tinha apenas 2 anos de idade, cidade esta onde passou a maior parte de sua vida. De origem nobre, mesmo contrariando as escolhas do pai, decidiu seguir seu dote e paixão, não somente pela arte, mas também pelas ciências políticas e a filosofia.

Rompendo a tradição da arte acadêmica, suas principais inspirações vinham das novas vanguardas europeias. Em vida, Brill se interessou pelo Impressionismo de Paula Modersohn-Becker e pelo Expressionismo dos seguidores de Kandinsky e do grupo Cavaleiro Azul. A influência dos dois movimentos moldaram o seu estilo e personalidade próprios. Grande parte das obras de Brill retratam paisagens, tanto de cidades urbanas quanto do vasto campo. O pintor viajou por diversos cantos da Alemanha, explorou alguns outros países da Europa, conheceu a Palestina e até mesmo viveu durante quase um ano e meio no Brasil. Era uma busca incessante por diferentes paisagens e inspirações na composição de novas obras.

“Vista de Hamburgo” retrata a paisagem de seu atelier na cidade. A obra é composta por um conjunto de edificações com muitas janelas fechadas, algumas grandes árvores secas, um pequeno arbusto e um céu com muita fumaça de chaminés. As ruas são vazias, sem vida. As cores presentes, opacas e puxadas para tons mais sombrios de vermelho, laranja, bege, marrom e preto, passam a sensação de um dia gelado e nublado de outono ou inverno.

Mesmo vivendo sozinho em Hamburgo após deixar a ex-esposa e filha, Alice Brill, em São Paulo (que seguiu os passos do pai, se consagrando como fotógrafa e artista plástica no Brasil), Erich Brill não se intimidou pela ascensão cada vez mais assustadora do nazismo. Em 1937, foi denunciado e preso pelos nazistas. Sua morte ocorreu triste e precocemente em 1942, dentro de um campo de concentração na atual Letônia.

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Wassily Kandinsky - Composição Clara, 1942

Autor: Felipe Bagni

Composição Clara (1942) é resultado das investigações feitas por Kandinsky, em que o artista passa a conceber um sistema para a composição com os elementos visuais, retirando os resquícios da realidade concreta em suas pinturas.

Tais investigações surgem a partir de seu período na Bauhaus, o que levou à sua obra “Ponto e Linha sobre o Plano” (1921). Posteriormente, o artista se liga aos grupos construtivos dos anos 1930 na França e volta a certos elementos de subjetividade, embora esteja trabalhando com formas mais delineadas e menos gestuais, como pode ser visto na obra.

A presença de formas e padrões geométricos sugestivos, a escolha de cores terciárias, os elementos equilibrados um sobre o outro no círculo branco, compõem uma alusão ao ambiente circense. E os elementos de formas mais puras, primitivas e até ditas infantis, criam uma forte interlocução com os diagramas na pintura de Klee, artista suíço, que inicia sua amizade com Kandinsky a partir de suas colaborações com o grupo O Cavaleiro Azul.

Já as formas curvas, e sua predominância, exprimem certa espontaneidade. Porém, seu traçado bem delineado reflete um esforço de ordenação e de agrupamento de elementos visuais, tornando perceptível uma sobreposição de planos e um movimento circular, evidenciado pelo caminho que os olhos percorrem diante da obra. O que dialoga com Alexander Calder, artista americano conhecido por suas invenções que foram definidas como móbiles por Marcel Duchamp, devido ao movimento intrínseco de seus elementos acionado por um motor. Tal diálogo ocorre principalmente com a escultura cinética “Circus”, retomando a ideia de circo com os padrões e cores presentes no picadeiro.

Apesar de constituírem elementos individuais, sua disposição no quadro traz uma sensação de unidade, buscando equilíbrio na composição, como o próprio artista define em “Olhar sobre o passado”. Isso gera uma certa profundidade abstrata, que associada à simbologia complexa das cores e o caráter de iluminação por uma luz clara na obra, sem foco particular, confere uma sensação sinestésica de vibração na própria obra.

Tal sensação é transposta ao espectador por meio do “processo acústico-espiritual”, em que as sonoridades interiores presentes nos elementos visuais preenchem sua alma e a faz vibrar.

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Ernesto de Fiori - Arlequim dançando, 1942

Autora: Anna Carolina Nogueira de Araújo

Ernesto de Fiori foi um artista ítalo-brasileiro que chegou ao Brasil fugindo do clima político, da censura e da perseguição à criação artística imposta pelo nazismo na década de 30, na Alemanha. Sua produção no país foi marcada primeiramente pela escultura; e em segundo com foco na pintura.

No momento de sua pesquisa de tendências artísticas das primeiras décadas do século XX, ele pinta a obra “Arlequim Dançando” em 1942. Marcada pela famosa Commedia dell'arte italiana do século XVI, espetáculo que foi retratado inúmeras vezes nesse período como, por exemplo, na obra “Arlequim e Pierrot” (1924) de André Derain, nos arlequins das pinturas de Picasso, e nas máscaras e fantasias de carnaval no Brasil.

Na pintura de Fiori, o colorido forte e vivo dos losangos da roupa do Arlequim exprime o caráter brincante e alegre de sua figura, em contraste com as cores suaves do restante da obra, ao mesmo tempo que a composição constrói um romantismo e intimidade em torno do casal que dança. Com gestos leves, os braços do par representado dão-lhe movimento, cujo olhar do espectador percorre.

O traço das figuras delimita as áreas dos braços e do rosto e as passagens de cores rápidas e constantes remetem à imagem de um esboço. As pinceladas gestualmente espontâneas do fundo oscilam entre figurar e dissipar: ao mesmo tempo que se parece uma paisagem externa, a ambientação é imprecisa. É possível reparar também o aspecto do rosto feminino que se diferencia do restante da obra. Seus traços são mais duros, com um olhar de surpresa que se dirige ao espectador, assemelhando-se a uma máscara com sombras e luzes mais geometrizadas.

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Emídio de Souza - Sem título , 1948

Autor: Frederico Noremati

O óleo sobre tela Sem Título, de 1948, traz como motivo principal a Festa do Divino, uma das mais tradicionais celebrações católicas de Itanhaém, município do litoral sul de São Paulo que serviu de lar e eterna inspiração para Emygdio Emiliano de Souza (21/05/1867-19/09/1949). Reflete o período final de sua produção e traz sinteticamente suas intenções poéticas e estéticas, assim como outras obras do período reunidas na mostra póstuma “Marinhas e Paisagens”, Galeria Domus, 1949. O uso intenso da cor e a fuga de princípios tradicionais de pintura, valendo-se assim de uma “irracionalidade” artística, lhe renderam a alcunha de pioneiro fauve no Brasil, quando descoberto em 1936 por Alfredo Volpi. Mas este pioneirismo engana, pois insere sua arte numa narrativa que arrebata a organicidade à sua obra. O que se toma de irracional em suas telas é, em verdade, o que passa da sua capacidade de articular, através de seu diletantismo e autodidatismo, as influências das paisagens de Benedito Calixto e outros nomes célebres do litoral paulista com uma linguagem pujante e viva que reconcilia o passado da região através de uma expressividade individual calcada na memória e na comunidade, exprimindo assim este passado vivo nas festividades populares; no catolicismo, de que era devoto, representado em igrejas e conventos, bem como nas paisagens pitorescas das vilas, serras, portos e mar do litoral paulista.

Entre os motivos de que ocupou-se nessa sua produção final, certamente a Festa do Divino foi central entre eles, em seus diversos ritos e passagens. Diversas destas obras do período 1940-49 marcam-se pelos mesmos tons crepusculares, vistas aéreas panorâmicas e demais elementos que remetem mais especificamente à procissão da Folia do Divino no Rio Acima, com a presença dos estandartes e do mastro a serem acompanhados por fiéis de barco da Igreja Matriz de Sant’Anna à Igreja de Nossa Senhora do Livramento. Com a exceção de poucas paisagens do centro da cidade de São Paulo, feitas provavelmente em viagem de Emygdio à capital, é com a reiteração de tais temas telúricos e religiosos que encerrou-se sua valiosa produção.

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