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  O MAC Encontra os Artistas / 2011 - 2º semestre

Luiz Paulo Baravelli

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O navio é mais importante que a espuma
Depoimento para o livro BrazilianArt VII 2006

Em 1960 eu tinha dezoito anos e os anos 60 foram o período de minha formação como artista. A palavra chave de então era: "limites". Procurar onde eles estivessem e desafiá-los. Do território tradicional da arte rompiam-se as bordas em todas as direções - mas esse movimento era em direção aos espaços vazios adjacentes. Movia-se para fora, para longe do corpo central. Era um elogio e uma prova de modernidade dizer de alguém: "Ele está fazendo algo que nunca foi feito antes". Como uma mancha de líquido que se espalha, a cada ano a circunferência se tornava maior e cada ponto dela (o trabalho específico de um artista), mais distante, não só do centro, mas dos colegas próximos.

Visível, mesmo na época, a facilidade e inconsequência dessa operação. O que parecia progresso era, na maioria dos casos, apenas fugir para a frente, e essa ampliação foi tomando a arte cada vez mais extensa mas não necessariamente melhor.

O período final de meu aprendizado, minha pós- graduação informal, durou o tempo de existência da Escola Brasil, que formei com Fajardo, Nasser e Resende e onde dei aulas entre 1970 e 1974. A ideia central que nos guiava: "Arte é muitas coisas". Em outras palavras, uma aposta cega no "novo". Fazer coisas novas e inusitadas foi um truque que os alunos aprenderam rapidamente. O receituário é simples: trazer de fora da arte um material, uma técnica, um processo. Inverter o uso de algo habitual nas formas tradicionais de arte. Fazer alguma coisa muito maior ou menor do que é habitualmente. Repetir um objeto comum centenas de vezes. Associar coisas díspares e contraditórias. Atacar qualquer símbolo de poder, fazer de algo prosaico uma ameaça, rearranjar as partes de pessoas, coisas e animais, criar enigmas para que os espectadores resolvam. Aqueles anos de experiência me revelaram a fatuidade e superficialidade dessas atitudes.

Intuí que ao invés de procurar os limites na borda externa da arte eu deveria procurar um limite que estivesse no centro dela, um ponto de acumulação e não uma fronteira de dispersão. Cheguei à conclusão que a ideia artística central que me interessa é a criação de imagens. A pintura existe há quarenta mil anos, os museus há quinhentos, as bienais há cem - percebi que, para mim, o navio é mais importante que a espuma. É lá que estão o peso, a carga e a densidade. E virei pintor. Pintor figurativo, um quase suicídio em termos de carreira, na época e também hoje. É fácil e de grande impacto grudar cinco mil telefones quebrados na parede; n ão há com o que comparar esse trabalho e ele existe precariamente, em um limbo. Mas tente desenhar um rosto e você caminha entre gigantes: Rafael, Rembrandt, Picasso. Seu rostinho vai ter de lutar pela vida - mas a arte mora lá, onde é compacto e difícil. Progredir não é inventar novidades, mas achar oxigênio para respirar no caminho para o interior do núcleo humano. Dito assim parece dramático, mas tenho tentado pisar leve e alegre nesse percurso de quarenta anos.

***

Não gosto nada de possuir e colecionar coisas, mas há algo que eu queria ter, uma obra de arte, um trabalho que Paul Klee não fez. Seria uma aquarela de um palmo de tamanho, com figurinhas, flechas e degradês e, em baixo, o título, em sua caligrafia peculiar: Para Dentro!

Eu a colocaria em um canto qualquer de parede e esse pequeno pedaço de papel, em sua moldurinha de madeira, conteria o segredo da arte.

 



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