15 MAR 2014 - 24 AGO 2014
Entrada Gratuita

Pintura como Meio: 30 Anos Depois


É uma honra e, ao mesmo tempo, um desafio organizar uma exposição histórica, que celebra a vitalidade e a ousadia da mostra Pintura como Meio , inaugurada em agosto de 1983, organizada pela então curadora do MAC USP, Aracy Amaral, a partir de uma iniciativa dos próprios artistas. Naquele momento, já se sentia a explosão da vontade de toda uma geração de imprimir um corpo a corpo com a materialidade da pintura, com a expressão e à citação a uma iconografia que marcava a indústria cultural e as imagens retiradas da mídia, além da rendição ao prazer de pintar e a negação do imperativo conceitual, que nos anos 1960 e 1970, marcou a tendência da desmaterialização da arte. É justamente o embate do corpo do artista com a matéria, a tela e o tecido, o pincel e as tintas que passam a ocupar a berlinda do cenário artístico naquele instante.

Sergio Romagnolo, ainda estudante de arte da FAAP, idealizou a coletiva, convidando a colega e então namorada Leda Catunda, além de Ciro Cozzolino e Sergio Niculitcheff, ex-colegas de Iadê, que então viviam um período na Europa, e finalmente a artista Ana Maria Tavares.

Além de lançar estes, que viriam a se tornar nomes referenciais da arte brasileira contemporânea, a exposição teve como mérito a de ser precursora de uma série de outras mostras que viriam a carimbar o panorama artístico brasileiro com a marca da pintura, refletindo uma tendência internacional. Depois dela, vieram Como vai você. Geração 80?, em 1984, a célebre coletiva que agrupou no Parque Lage do Rio de Janeiro, novos nomes como Luiz Zerbini, Daniel Senise, Beatriz Milhazes, entre outros. E, em 1985, no próprio MAC USP, Aracy Amaral expôs os igualmente jovens artistas paulistas da Casa 7 , composta por Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa, Paulo Monteiro, Rodrigo Andrade e Nuno Ramos. No mesmo ano, A Grande Tela tornou-se o foco curatorial da XVIII Bienal de São Paulo, organizada por Sheila Leirner, com expografia de Haron Cohen, onde um grande corredor exibia amplas pinturas de brasileiros justapostas a de neoexpressionistas alemães e artistas da transvanguarda italiana.

Nesse momento, em meados da década, o país já havia atravessado o final da ditadura militar e as diretas já, e a nova geração de pintores parecia refletir a nova condição política brasileira, cujo mote centrou-se na busca de uma liberdade, e de um olhar crítico, irônico e muitas vezes bem humorado, que localizava o Brasil no contexto mundial e pensava as relações província/metrópole, a partir das próprias imagens produzidas aqui e lá fora.

Na verdade, Pintura como Meio não consolidou um estilo ou um grupo propriamente dito, já que cada um dos cinco artistas manifestava um jeito próprio de entender a pintura. As singularidades entre eles se traduzem no trajeto aqui exposto de cada um, dos anos 1980 aos dias atuais.

De início, podemos localizar em Sergio Romagnolo, Leda Catuda e Ciro Cozzolino a apropriação de uma massa de imagens que formam a memória residual da indústria do entretenimento, com a utilização de personagens como Batman e Robin, Pato Donald e Margarida, Mickey, Mônica, Samantha (de A Feiticeira ), entre outros.

No entanto, apesar da temática, que os aproximaria da arte pop, nossos artistas faziam uma pintura repleta de vitalidade e um deliberado mau acabamento, configurando uma pintura mal feita ( bad painting ), sem chassis, totalmente diversa das reproduções impecáveis do pop norte-americano. Ciro Cozzolino é o primeiro a ser relacionado às figuras bem humoradas da mídia. Leda, ao contrário de recriar essas imagens, apagava-as gradativamente, a partir das estampas industriais de toalhas, cobertores e roupas, negando seus conteúdos óbvios, ao vedá-las com massas de pintura, compondo ritmos pictóricos que flertavam com a abstração.

Sergio Niculitcheff sempre possuiu um estilo mais clássico, apresentando na mostra de 1983, formas abstratas que ficavam entre o geométrico e o lírico. No tempo, o artista passou a focar objetos cotidianos, apresentando-os fora de seus contextos, como num zoom, que os isola e os silencia. Já Ana Maria Tavares apresentava pinturas recortadas que escorriam sobre painéis que formavam uma espécie de labirinto. Ana é a artista do grupo que mais contundentemente questiona os limites bidimensionais da pintura. Desde o início, ela se aproxima da arquitetura e dos materiais da indústria, o que reflete sua tendência a trabalhar cada vez mais com emborrachados, aço inox, ferro, fazendo seu trabalho convergir a instalações com uma marca de

Sergio Romagnolo, que foi o mentor da mostra precursora, também tenderá a expandir sua pintura até sair do plano bidimensional e experimentar com formas escultóricos feitas com plástico moldado. Recentemente, ele chega à síntese e à convivência entre ambas as formas de expressão. Com obras pertencentes à mostra de 1983, até trabalhos atuais, Pintura como Meio: 30 Anos Depois homenageia esses cinco grandes artistas e sua primeira curadora, Aracy Amaral, que possuiu a visão de dar corpo a uma ideia visionária.

Katia Canton, curadora





© 2014 Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo