CORPOS ESTRANHOS
Período: 6/8/2009 a 4/10/2009
Local: MAC USP Cidade Universitária
Uma proposta de diálogo estético entre três mulheres artistas - Pilar Albarracín (Espanha), Regina José Galindo (Guatemala) e Laura Lima (Brasil) — que materializam uma conversação em que o corpo se manifesta como agente de transformações fundamentais para a ética contemporânea. Com apoio do Instituto Cervantes São Paulo.
Corpos Estranhos
Corpos Estranhos
Lisbeth Rebollo Gonçalves
Curadora da exposição
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e a Fundação Memorial da América Latina em uma iniciativa conjunta apresentam ao público a mostra Corpos Estranhos , do ciclo de exposições Mulheres artistas e a contemporaneidade, como materialização de um diálogo entre um conjunto de manifestações de mulheres artistas que estabelecem o corpo como espaço de debate para o contemporâneo.
Em uma ampla parceria comprometida com a prática expositiva de temas da atualidade, contando com o apoio significativo de instituições como a Sociedad Estatal para Acción Cultural Exterior, SEACEX, España, o Instituto Cervantes São Paulo e a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP temos a satisfação de propor uma aproximação com as poéticas visuais dessas lúcidas criadoras.
Cláudia Fazzolari
Curadora da exposição
O ambiente de ação da mostra Corpos Estranhos reúne poéticas visuais de mulheres artistas, envolvidas em uma interlocução onde o corpo se manifesta como agente de transformações fundamentais para a ética contemporânea. Em uma dimensão alterada pela perda de consciência da própria finitude, a vida do corpo permanece diretamente associada à lógica de imposições físicas e psíquicas em uma sociedade guiada pelo contexto do desempenho generalizado.
Cabe recordar que a negação do corpo segue relacionada à constituição de invisibilidades que regulam os modos de ser e conviver em nosso tempo. Modos de convivência que são revistos — em crítica atenta ao corpo político — pelo viés que move e potencializa a mostra Corpos Estranhos, e intensifica, por meio do diálogo estético construído entre três mulheres artistas — Pilar Albarracín, Regina José Galindo e Laura Lima — a plena exposição de enunciados comprometidos com todas as incertezas de um corpo constituído em anatomia variável.
Regina José Galindo
Regina José Galindo
O corpo e suas amarras
O corpo como suporte armado para o embate cotidiano estabelece como existência física a condição máxima de sua exposição, quando a pele — esse espaço de atuação — tolera uma zona de conflito de variáveis construídas pelo poder.
O espaço de ação da poética visual de Regina José Galindo — artista guatemalteca, de presença inquestionável para o debate sobre a alteridade — pensado, invariavelmente, para o confronto e ativado pela consciência e pela resistência às marcas coercitivas do poder, concentra-se em largo espectro, nas manifestações de um elaborado corpo exposto pela contundência dos fatos.
Para suas performances a exposição de um corpo alargado em sua consciência física, ilimitado, agonizante, atado, ou ferido está ligado de forma incontornável ao recurso último de evidente sujeição, que se manifesta concretamente.
Entre todas as formas de sujeição o corpo, cotidianamente exposto, está diante de nós quase sempre ausente como ausente é a sua condição estratégica, quando compreendemos de modo conclusivo que o corpo contemporâneo muitas vezes não reconhece a sua própria existência.
Diversas são as situações pensadas pela artista para que esse corpo exposto, emancipado — pela dor ( Perra ), pelo caos ( Camisa de fuerza ), pela memória ( Reconocimiento de un cuerpo) — em sua marca física, e resgatado pela ausência de limites, possa acionar o estranhamento atualizado em cada performance como intervenção significativa e ato consciente de registro documental.
Pilar Abarracín
Pilar Abarracín
Inquietação encarnada
Pilar Albarracín atua politicamente e de forma contestadora quando instaura o espaço de comunicação de sua poética visual. Politicamente ainda se manifesta quando situa a intervenção pública como arma e modifica o panorama de muitas vidas convulsionadas pela carga do estereótipo.
Quando se percebe de fato o ambiente de sua obra — seja no museu, no espaço público, na instituição cultural — estão no recinto todas suas personagens vivas, conscientes e preocupadas com a dignidade impregnada em cada ato de sua exposição: seja a mulher atada por cordas ao bagageiro de um veículo em marcha, que baja al moro , como parte da bagagem; seja o colo sexualmente ativo onde o suor incandescente é traço evidente de uma marca naturalizada ou o local exato — a cozinha — que suporta a presença de uma mulher, que “se prepara” como principal refeição para o próximo ato, diariamente, quase alheia ao entorno.
Ou ainda essa mulher, quase em transe, que perfura o traje que usa como sua própria pele e sangra para manter-se em cena. Performática é a condição dessa narrativa, como performática é a repetição que caracteriza o ritual social que a artista situa em chave crítica.
Em todas as mulheres e em cada uma delas insiste em manifestar-se a inquietação de Pilar Albarracín. Cada ação, em sua marca encarnada, incorpora uma insistente chamada ao corpo, compreendido como construção cultural e requer de sua criadora um olhar que reverte o discurso da condição subalterna e questiona os lugares sociais destinados à invisibilidade.
Laura Lima
Laura Lima
O corpo ou nossa margem terceira
Laura Lima situa o andamento de uma vivência comprometida com um estranhamento crítico para pensar o contemporâneo, escutá-lo e estar atenta ao compasso de inquietações no cotidiano, consciente de si e em constante interlocução com o outro.
Desde a pele proposta como evidência concreta de nossa margem terceira, a artista elabora um amplo espaço de manifestações associado ao confronto blindado do corpo na contemporaneidade: subverte o lugar de sua exposição e reitera a construção de uma margem de manobra constitutiva de reconhecimento de cada parte do todo, fora de si, alarmado pela própria estrutura ausente.
Esse corpo que se ambienta e se ausenta e ainda assim protagoniza a ativação da obra da artista se move diante de uma interlocução silenciosa que nos compromete quando somos lembrados de nossa própria condição humana, surpreendente.
Interessa ao projeto da artista o suporte sensível que entre o corpo e a memória se manifesta. Como guia, passa à percepção dos espaços consagrados do outro.
Desta forma Laura Lima situa as marcas de uma relação sensível ao admitir o corpo como interventor emancipado em diálogo aberto com o entorno e anuncia o lugar de sua aparição pelo protagonismo da quase verdade do gesto, gravado na memória desse mesmo corpo.