Superfícies da Memória
Período : 25/11/2008 a 1/3/2009
Local : MAC USP Ibirapuera
A curadora Sylvia Werneck explora a memória como elemento para buscar a identidade a partir das obras de José Rufino, Divino Sobral, Sergio Meirana e Pablo Uribe.
Apresentação
Apresentação
Lisbeth Rebollo Gonçalves
Diretora do MAC USP
Esta exposição aproxima os artistas José Rufino, Divino Sobral, Sérgio Meirana e Pablo Uribe e convida à observação de seus processos criativos, chamando atenção para as complexas operações discursivas que se estendem da realidade subjetiva a coletiva, das memórias íntimas às “mitologias” culturais.
A jovem curadora Sylvia Werneck vem pesquisando esta questão na arte contemporânea, tendo desenvolvido trabalho acadêmico que reflete sobre o espaço mundializado da cultura e a dimensão subjetiva na criação artística.
Nas visualidades peculiares dos artistas aqui presentes é possível perscrutar como cada um reconstrói seu lugar social, como se elaboram os significados subjetivos em tempos em que a cultura apregoa a desterritorialização.
Superfícies da Memória
Superfícies da Memória
Sylvia Werneck
Curadora
Nos últimos tempos, a memória tem sido tema central de reflexão em diversas áreas das ciências humanas. Há uma escolha que aponta na direção do vasculhamento da memória em busca de sentido – pessoal, social, cultural, temporal. Se este sentido é buscado no passado, é porque o presente não tem sido capaz de apresentar respostas suficientes às inquietações humanas. A velocidade contemporânea, a fugacidade dos compromissos, a opressão do excesso de imagens e a multiplicidade de fenômenos a que estamos sujeitos colocam o homem contemporâneo em uma posição de insegurança identitária. Em uma época de esgarçamento de fronteiras, de globalização mercadológica e ferramentas tecnológicas que desterritorializam e relativizam quase tudo, como nos definimos?
No âmbito subjetivo, a memória serve a uma busca pessoal de identidade, de repertório para o porvir ou até mesmo uma advertência sobre as conseqüências do esquecimento. Esta investigação esbarra muitas vezes no colecionismo, onde os objetos lhe servem de apoio, funcionando como portadores de relatos que se expandem do campo individual e alcançam o outro. Já a memória coletiva geralmente é construída servindo a propósitos de inserção social; envolve a adesão a valores, manifesta-se através de modos de pensar, sentir e agir. Nestes casos, ela é resultado de pontos de equilíbrio entre permanência e mudança –– mais ou menos aceleradas.
A arte, vista como operação do pensamento, tende a investigar e questionar o mundo ao seu redor, transformando idéias em comentários e/ou provocações. Os artistas aqui representados empreendem uma arqueologia mnemônica que traz à superfície os diversos “lugares” em que se situa o sujeito, seus diversos papéis subjetivos, culturais, realizando com o espectador uma troca simbólica capaz de produzir novos sentidos no espaço social.
José Rufino
José Rufino
José Rufino nasceu José Augusto. A escolha do nome de seu avô como identidade artística está diretamente ligada a seu interesse pela história das coisas, lugares e pessoas que cruzam o seu caminho, e que alimentam seu impulso criativo. A ele interessam os fragmentos de vivências e sentimentos que impregnam objetos do cotidiano, outrora manuseados por pessoas já perdidas no tempo.
Em trabalhos mais recentes, Rufino apóia-se não sobre a memória de pessoas ligadas a ele, mas reúne em um novo “corpo” coletivo os resquícios de indivíduos cuja existência só é testemunhada através dos documentos burocráticos produzidos ou usados por eles. São tudo o que restou de humanidade nestes gabinetes oxidados por anos de trabalho repetitivo e maçante, executado mecanicamente, dia após dia, ad nausea .
Sylvia Werneck
Divino Sobral
Divino Sobral
O artesanal está presente em toda a obra de Divino Sobral, na qual o manuseio dos materiais é condição inerente a seu fazer artístico. Seu processo criativo é sempre longo, trabalhoso, uma sucessão de construções e desconstruções, da concepção até a produção das peças e instalações. Une-se a isso seu interesse pela cultura vernacular, que expressa as tradições e emoções humanas mais singelas, aquelas que pertencem a toda gente, e que não importa o quanto avancemos no futuro, seguirão existindo.
Seus “pés de cor” encerram em suas superfícies de lã camadas de memórias, evidenciam a passagem do tempo, do crescimento e do amadurecimento. Mais ainda, materializam a cor, oferecendo uma outra dimensão para uma espécie de pintura que se dá nas relações natureza/homem, ontem/hoje, popular/erudito.
Sylvia Werneck
Sergio Meirana
Sergio Meirana
Em seu trabalho, Sergio Meirana faz uso da tradição do entalhe para comentar questões contemporâneas. A pequena figura portando uma valise que se multiplica por suas criações assume a forma de um ícone do homem de hoje, movendo-se incessantemente entre os diversos papéis que exerce em seu dia-a-dia como trabalhador, cidadão, sonhador ou sofredor. A pressão que o impele de modo quase mecânico acaba por despi-lo de sua individualidade, tornando-o apenas mais um em meio à massa - um elemento que, repetido indistintamente, compõe uma textura uniforme.
Este personagem, aprisionado por suas obrigações cotidianas, tenta agarrar-se à sua “bagagem”, que insiste em lhe escapar, como um esforço para reatar o fio que liga seu passado e seu presente, para, quem sabe, reafirmar-lhe quem é.
Sylvia Werneck
Pablo Uribe
Pablo Uribe
Pablo Uribe é, antes de tudo, um espírito inquieto. Sua poética nasce diretamente do questionamento do mundo ao seu redor. Conceitos estabelecidos, instituições consagradas, relações sedimentadas estão permanentemente sob sua análise minuciosa, a fim de propor novas perspectivas de leitura subvertendo a ordem imposta, seja na esfera política, cultural ou antropológica.
Aqui, lançando mão de sobreposições e justaposições, Uribe pergunta: Até que ponto pode-se tomar a memória como fato? Será ela realmente inquestionável? Ou, ao contrário, pode ser manipulada para servir a distintos interesses, segundo o momento? Através da investigação ou, talvez até mesmo, da denúncia deste subterfúgio, o artista coloca em cheque nossa percepção, sobre a qual apoiamos nossas opiniões e nos posicionamos perante (o que parece ser) a realidade.
Sylvia Werneck