Tronco para Exu
Katia Canton - Docente e curadora do MAC USP
No panteão da mitologia afro-baiana dos orixás, Exu exerce um papel singular: é ele quem estabelece a
ponte entre deuses e mortais. Pois é justamente essa ponte, espaço de ligação entre obra e cidade, entre o
dentro e o fora, que a instalação de Hugo França materializa. Aqui, o enorme tronco de madeira
pequi-vinagreiro, de 4 toneladas de peso, atravessa a entrada do Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo, e se apresenta suspenso, traduzindo-se como um símbolo potente de resiliência e
força, questionando os limites da materialidade e a efemeridade da vida.
A árvore dessa espécie, que tem 1200 anos de existência e capacidade de resistir até mesmo ao fogo, adquire
uma visibilidade surpreendente, pontuando o andar térreo e envidraçado do edifício modernista com a
organicidade desenhada pelo desgaste da própria existência - as marcas, veios, buracos e linhas desenhadas
pela passagem do tempo - são enaltecidas pelo olhar preciso e amoroso do escultor. Suas mãos empunham e
ressignificam a motosserra, que no lugar de instrumento usado para destruir a natureza, é usada para
salientar contornos orgânicos, estabelecer a ligação entre duas temporalidades e espacialidades muito
distintas.
De um lado, está o fluxo urbano de carros e gente em trânsito constante pela avenida que desenha o fora e
imprime velocidade incessante a tudo que cerca esse cenário. Do outro, a suspensão dessa efervescência e a
possibilidade de silêncio e contemplação que o museu e as obras de arte que o recheiam prometem ao
observador que a buscam.
De fato, com essa combinação de tempos, imagens e possibilidades espaciais, Hugo França nos oferece uma
produção escultórica que revisita com consistente respeito, afeto e originalidade, uma obra que é, ao mesmo
tempo, escultura, poesia e ação política. Nós, do Museu de Arte Contemporânea da USP, nos orgulhamos em
poder exibir e assim, colocar em discussão, um trabalho sólido, ousado e dotado de uma simplicidade de
beleza brutal e estonteante.
© 2017 Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo