08 ABR 2017 - 13 AGO 2017
Entrada Gratuita

 

Hugo França - Um Tronco para Exu


Metamorfose da Forma
Adriana Rede

O trabalho de Hugo França ocupa um lugar singular e está alinhado com questões da contemporaneidade, como responsabilidade social e uso consciente de recursos naturais. Vive em Trancoso, Bahia, por 15 anos e esta vivência marca a sua trajetória. Lá desenvolve sua pesquisa, voltada ao reaproveitamento de resíduos florestais de espécies nativas da Mata Atlântica, sobretudo do pequi-vinagreiro, o que leva a produção do artista a um conjunto de obras único em sua concepção, criado através de um diálogo respeitoso com a sua matéria-prima e suporte. Trabalhando com árvores condenadas pelas intempéries da natureza ou pela ação criminosa do homem, França não faz somente arte, faz política. Seu trabalho se insere no conceito da ecologia política, dimensão urgente e essencial.

Hugo França domina o seu ofício com maestria. Através de um desenho cuidadosamente traçado e reverencioso, traz à existência o tronco que já não mais vivia. Cria a metamorfose através da forma. O artista nos revela com sensibilidade, através dos contornos naturais, fissuras e reentrâncias que preserva em suas obras, questões como memória, transformação, tempo. Assim, a criação de França não existe apenas para ser vista: é necessário deixar-se levar pelo impacto que exerce sobre a nossa percepção. A obra clama para ser sentida e decifrada, citando Merleau-Ponty, "para dar existência visível ao que a visão profana crê invisível".

A Garganta das Coisas
Diógenes Moura

Diante do abismo, há resíduos entre homens e deuses. E há Exu, ponte longeperto, corpo etéreo, ancestral, a tentar unir esses mesmos homens a outros homens e outros deuses, no panteão das irmandades entre tempo e tempo, violência e paixão. Então, a mão do escultor cria uma realidade tátil para uma galáxia terrestre, assim, assentada num tronco de pequi-vinagreiro, a árvore que suporta o fogo, matéria-prima arqueológica, a vitória da natureza, a garganta das coisas. O que seria a escultura senão a materialização de um sonho-pensamento? Hugo França é o homem, escultor. Tem nas mãos um tronco para Exu com um olho vazado no centro, porque do outro lado é abismo. E do lado de cá mais ainda, já que estamos no limite. Quem estará do lado de lá, nesse imenso pátio de museu também às margens de uma avenida em transe, com suas antologias de destinos a passar logo ali, dentro dos automóveis, fuligem, noite-dia, madrugada adentro? Então, no pátio, encontramos o reverso do homem e o olho vazado do tronco-vinagreiro onde, ali mesmo, ele nasce e envelhece em sua materialidade. Depois, nasce outra vez e envelhece escultura, imaterial no meio de uma encruzilhada de colunas modernistas. É quando um tempo se esgota e outro recomeça: terra e terra, natureza e natureza. E temos, diante dos nossos olhos, esse interminável mistério, tridimensional, ao mesmo tempo indizível e tão profícuo entre um sonho, uma entidade e um pensamento.





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