20 SET 2014 - 26 JUL 2015
Entrada Gratuita

 

Flieg fotógrafo
Indústria, design, publicidade, arquitetura e arte na obra de Hans Gunter Flieg

Calculadora Logos 270, Olivetti, Guarulhos-SP, 1974

Indústria, design, publicidade, arquitetura e arte na obra fotográfica de Hans Gunter Flieg.
Fotografias do acervo do Instituto Moreira Salles

Nascido em 1923 em Chemnitz, Alemanha, Hans Gunter Flieg emigrou para São Paulo em 1939 com seus pais e seu irmão. Deixaram para trás um país cujo governo havia revelado sua face mais obscura a partir da Noite dos Cristais, em novembro de 1938, quando estabelecimentos comerciais e casas de famílias judaicas, como a de Flieg, foram violentamente atacados por partidários do nacional-socialismo, num crescendo de ações que culminaria na invasão da Polônia em setembro de 1939, dando início à Segunda Guerra Mundial. Ao chegar ao Brasil, Flieg trazia na bagagem uma câmera Leica e uma Linhof, além de livros sobre fotografia e exemplares da revista Life, uma de suas fontes de inspiração. Entre 1940 e 1945, estagiou e trabalhou em São Paulo , inicialmente com os fotógrafos Peter Scheier e Irene Lenthe, trabalhando em seguida nas gráficas Ypiranga e Niccolini.

Estabeleceu-se, a partir de 1945, como fotógrafo profissional de indústria, publicidade e arquitetura. Registrou, por 40 anos, o desenvolvimento industrial brasileiro, além de ter documentado o design, a arquitetura e a publicidade no país entres os anos de 1940 e 1980 – fotografando instalações industriais, edificações e objetos que revelam esse período. Dentro desse universo, encontram-se, por exemplo, imagens das instalações industriais de empresas como Willys-Overland, Mercedes Benz e Marcas Famosas S/A, pioneiras da indústria automobilística no Brasil, além de imagens de estandes de grandes indústrias em feiras nacionais, como o da fábrica de calçados Clark na Exposição Comemorativa do IV Centenário de São Paulo, Parque Ibirapuera, São Paulo, SP, 1954 e o estande da Mercedes-Benz do Brasil na Exposição Internacional de Indústria e Comércio, no Pavilhão de São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ, 1961, ambos projetos do arquiteto Henri Maluf. Fotografa para o catálogo da Indústria Cristais Prado já em 1947, e no ano seguinte, produz o calendário fotográfico anual da Pirelli de 1949.

Paralelamente ao trabalho na indústria, Flieg fotografou para grandes agências de publicidade do período, como Standard e Thompson, participando também no 1º Salão Nacional de Propaganda, realizado no Museu de Arte de São Paulo em 1950. Em 1951, atuou como fotógrafo oficial da primeira Bienal Internacional de São Paulo, realizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo, iniciando a partir de então uma contínua documentação do circuito das artes na capital paulista.

O trabalho de Flieg desenvolve-se fortemente influenciado pela modernidade europeia, aliando o domínio na elaboração formal da imagem fotográfica a um absoluto controle da iluminação, exposição e processamento da película. Suas imagens extremamente elaboradas, produzidas na sua maioria como trabalhos comissionados, particularmente aquelas no âmbito da fotografia industrial e de produtos industriais, nos direcionam para o universo imagético já designado como o do “êxtase das coisas”, onde a fotografia posiciona-se como a ferramenta por excelência para o registro e visualização dos objetos da sociedade industrial e para sua subsequente comercialização e circulação através das novas ferramentas da publicidade e propaganda, que incorporam maciçamente a fotografia em peças publicitárias a partir principalmente dos anos 1950.

A fotografia de Flieg, nesse sentido, relaciona-se com a escola alemã da Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit), voltada para o registro fotográfico direto dos objetos industrializados e naturais, como proposto por Albert Renger-Patzsch em sua célebre publicação Die Welt ist schön [O mundo é belo], bem como para a documentação dos espaços industriais e seus equipamentos. Relaciona-se também com elementos da posterior retomada de uma objetividade contemporânea, de caráter mais conceitual e crítico, como o projeto de documentação seriada dos elementos construtivos e arquitetônicos de uma sociedade industrial já em seu ciclo entrópico, representado principalmente pelo trabalho do casal Bernd e Hilla Becher no pós-guerra, cuja obra apresenta a ambivalência da própria objetividade fotográfica, agora trabalhada em um sentido crítico pós-moderno. É isso que, em última análise, libera as imagens de seu contexto original e possibilita leituras formais e poéticas dos objetos e dos equipamentos registrados, que transcendem sua dimensão referencial e documental. Flieg, da mesma maneira, constrói em muitos casos imagens de forte viés abstrato e formal, ampliando e atualizando a relevância de seu trabalho no âmbito da fotografia moderna e contemporânea no Brasil.

A obra fotográfica completa de Hans Gunter Flieg é composta por mais de 35 mil negativos e fotografias e contém registros fotográficos que se iniciam ainda na Alemanha e se estendem até meados da década de 1980. Uma das exposições mais completas de sua obra foi a retrospectiva Hans Gunter Flieg: 40 anos de fotografia , realizada pelo Museu da Imagem e do Som de São Paulo, em 1981. Em julho de 2006, seu acervo foi incorporado ao Instituto Moreira Salles e está, desde então, disponível e aberto para pesquisas e estudos de seus importantes aspectos documentais e estéticos. A leitura crítica e aprofundada de acervos fotográficos constitui uma efetiva contribuição para a compreensão das estruturas formadoras da sociedade contemporânea, seja no plano direto e objetivo da documentação da cultura material, como também no plano mais abstrato da representação simbólica e criativa destas mesmas estruturas.

A presente exposição foi inicialmente montada no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro em 2010 e agora é apresentada no MAC USP, acompanhada do lançamento do livro Flieg . Indústria, arquitetura e arte na obra fotográfica de Hans Gunter Flieg, primeira publicação abrangente sobre o fotógrafo editada no Brasil.

Sergio Burgi
Coordenador de Fotografia
Instituto Moreira Salles





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