Portais, Passadiços e Pomanders:
Gilbertto Prado e Poéticas Digitais

[english]

Há espaços que não se limitam à sua territorialidade: são passagens, zonas de transição, portais entre mundos e estados de presença. Heterotopias. Portais, Passadiços e Pomanders propõe uma travessia por esses “entre espaços”. A exposição reúne 11 trabalhos criados por Gilbertto Prado em colaboração com o grupo de pesquisa Poéticas Digitais que o artista fundou e coordena há mais de uma década, onde se entrelaçam o visível e o invisível, o orgânico e o maquínico, o sensorial e o digital em experiências que tensionam fronteiras e ativam formas de coexistência.

Os portais abrem-se como convites à transição entre o dentro e o fora do espaço expositivo, entre o físico e o digital, entre o museu e seus territórios. Os passadiços são linhas tênues, pontes, travessias por onde se cruzam temporalidades, culturas e técnicas. O pomander, artefato criado na Europa medieval para filtrar os odores do mundo e proteger o corpo por meio do aroma, ressurge aqui como tecnologia sensível; uma presença olfativa que ativa memórias e conecta corpos, ambientes e dispositivos em uma rede de afetos.

Cada obra da exposição ativa uma tecnologia diversa – ancestral, vegetal, eletrônica, algorítmica – para nos colocar em contato com dimensões sensíveis da experiência que escapam à nossa percepção imediata. Árvores que dançam movidas pela poluição do ar (Amoreiras), colares-sensores que desenham cartografias invisíveis de presença (Colar Sensor), algoritmos que fazem florescer o tempo de uma árvore digital em sincronia com o arco do sol que passa por cima do edifício do museu (Manacá de cheiro), uma maçã que carrega memórias inscritas em sua ‘pele’ (Ruta dos Xardíns). Algumas delas, como Desluz ou Pedralumen, revelam fluxos ocultos de desejo, luz, deslocamento e proximidade.

Desertesejo, uma das obras centrais da mostra, parte do acervo do MAC USP, é um ambiente virtual interativo multiusuário que propõe uma deriva entre desertos simbólicos e geografias imaginadas. Os visitantes assumem a perspectiva de animais — águia, onça, serpente — e percorrem, em mundos como Ouro, Viridis e Plumas, paisagens que remetem tanto ao deserto quanto ao desejo visto aqui como produção, movimento e vontade de potência. A obra nos convida à partilha silenciosa e à construção de trajetos poéticos, ativando questões sobre solidão e conexão com o outro em um espaço que é, ao mesmo tempo, deserto e possibilidade de encontro. Ao seu lado, Caixa de choque nos convida a uma experiência sensorial coletiva que remete aos choques culturais e históricos da colonização nas Américas, ao transformar a energia produzida por milho, laranja e pimenta em choques elétricos que ativam máquinas inspiradas nos toqueros do México. No centro da sala, uma TV de tubo emana uma luz azul espectral, sobre a qual repousa um pomander incrustado de cravos — uma homenagem sensível a Yves Klein e Fred Forest, aos sentidos, à imagem e à história da arte.

Entrelaçando arte e natureza, muitas das obras da mostra evocam formas de inteligência vegetal e forças invisíveis que regem o mundo natural. Essas criações, para além de representarem a natureza, operam em diálogo com ela traduzindo seus ritmos, sutilezas e transformações em experiências sensoriais e tecnológicas. Seja pela dança das amoreiras movidas pela poluição do ar, pelo florescer digital guiado pelo trajeto do sol ou pela presença orgânica do pomander, as obras da mostra nos convidam a repensar nossos modos de habitar o mundo: a abrir espaço para novas formas de coexistência com a terra, os ciclos da natureza e tudo aquilo que pulsa além da centralidade humana.

Artista pioneiro no Brasil em arte telemática e arte em rede, Gilbertto Prado desenvolve, desde os anos 1980, obras que exploram meios diversos como fax, arte postal, realidade virtual e redes digitais. Sua trajetória é inseparável da própria história da artemídia no país.

Ana Magalhães e Priscila Arantes
curadoras

[topo]

Portals, Walkways, and Pomanders
Gilbertto Prado and Poéticas Digitais

[português]

There are spaces that are not limited by territoriality: they are passages, transitional zones, portals between worlds and states of presence. Heterotopias. Portals, Walkways, and Pomanders proposes a journey through these "in-between spaces." The exhibition brings together eleven works created by Gilbertto Prado in collaboration with the research group Poéticas Digitais (Digital Poetics), which the artist founded and has coordinated for over a decade. These works interweave the visible and the invisible, the organic and the machinic, the sensorial and the digital in experiences that challenge boundaries and activate new forms of coexistence.

The portals open as invitations to transition between the inside and outside of the exhibition space, between the physical and the digital, between the museum and its surrounding territories. The footbridges are subtle lines, bridges, crossings where temporalities, cultures, and techniques intersect. The pomander, an artifact created in medieval Europe to filter the odors of the world and protect the body through scent, reemerges here as a sensitive technology; an olfactory presence that activates memories and connects bodies, environments, and devices in a network of affections.

Each work in the exhibition activates a different kind of technology —ancestral, botanical, electronic, algorithmic — to bring us into contact with sensitive dimensions of experience that escape immediate perception. Trees that dance, moved by air pollution (Amoreiras - “Mulberry trees”); sensor-necklaces that sketch invisible cartographies of presence (Colar Sensor); algorithms that cause a digital tree “fragrant Brunfelsia uniflora” to bloom in sync with the arc of the sun above the museum building (Manacá-de-Cheiro); an apple that carries memories inscribed in its “skin” (Ruta dos Xardíns) . Some works, like Desluz or Pedralumen, reveal hidden flows of desire, light, displacement, and proximity.

Desertesejo, one of the central works in the exhibition and part of the MAC USP collection, is a multi-user interactive virtual environment that invites a drift between symbolic deserts and imagined geographies. Visitors assume the perspective of animals — eagle, jaguar, serpent — and traverse, in worlds such as Ouro, Viridis, and Plumas, landscapes that recall both desert and desire, here seen as production, movement, and will to power. The work invites silent sharing and the construction of poetic paths, raising questions about loneliness and connection with others in a space that is, at once, a desert and a possibility for encounter. Next to it, Caixa de choque (Shock box) invites visitors to a collective sensorial experience that evokes the cultural and historical shocks of colonization in the Americas by transforming energy produced by corn, orange, and chili into electric jolts that activate machines inspired by the Mexican toqueros . At the center of the room, a CRT television emits a spectral blue light, atop which rests a pomander studded with cloves — a sensitive homage to Yves Klein and Fred Forest, to the senses, to the image, and to the history of art.

Intertwining art and nature, many works in the exhibition evoke forms of plant intelligence and invisible forces that govern the natural world. These creations go beyond simply representing nature; they operate in dialogue with it, translating its rhythms, subtleties, and transformations into sensorial and technological experiences. Whether through the dance of the mulberry trees stirred by polluted air, the digital blooming guided by the sun’s path, or the organic presence of the pomander, the works invite us to rethink our ways of inhabiting the world: to open space for new forms of coexistence with the earth, the cycles of nature, and everything that pulses beyond human centrality.

A pioneering artist in Brazil in the fields of telematic and networked art, Gilbertto Prado has been developing works since the 1980s that explore various media such as fax, mail art, virtual reality, and digital networks. His career is inseparable from the very history of media art in the country.

Ana Magalhães and Priscila Arantes
Curators

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