10 a 19 de Junho de 2022
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Live Stream (2018)


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Live Stream (2018)

Christine Howard Sandoval
Live Stream, 2018
single channel video with sound, TRT: 32:30
Sound design by Luz Fleming
Commissioned by The Paseo Project, Taos, NM

Live Stream é uma vídeo-performance realizada por Christine Howard Sandoval em 2018, em torno do sítio histórico de Acequia Madre, no Novo México (EUA), região primeiro colonizada pelos espanhóis que implantaram ali um característico sistema de irrigação (ou acequia). A performance, que consiste em caminhar e explorar o território, é imediatamente transformada em vídeo; a artista carrega uma câmera GoPro presa à cabeça, e tudo o que vê é transmitido ao vivo, em ‘live streaming’. O título da obra evoca, portanto, essa tecnologia de transmissão em tempo real de conteúdos pela internet. Mas a expressão ‘live stream’ pode ser traduzida também como ‘fluxo vivo’ ou ainda como ‘rio vivo’. A artista se vale dessa polissemia (como em outro de seus trabalhos, Channel, ou canal, de 2017), sua investigação tendo por objeto a disputa pelos recursos hídricos na colonização do Novo México e as diferentes formas de uso da natureza por parte de populações originárias e de colonizadores.

Mas ao mesmo tempo em que desenvolve uma pesquisa sobre um território específico e sobre as temporalidades que o atravessam, Sandoval se apropria de um meio extremamente contemporâneo e que toca em um ponto nevrálgico da sociedade em que vivemos: a de ser uma sociedade do espetáculo (Debord). A tecnologia do ‘live streaming’ tornou possível a transformação de toda realidade material em imagem de modo quase imediato, tornando invisível o próprio processo de fazer imagem. Abolindo a distância entre imagem e fenômeno, tudo o que é diretamente vivido torna-se representação. À medida que a natureza é estranhada, são as imagens que aparecem como um mundo natural. Os processos não são contraditórios, mas sequenciais. A expansão da colonização e do capitalismo europeu, que subjugou os povos e seus territórios, é também o movimento da crescente abstração do espaço, esvaziado de toda relação qualitativa com a natureza, e reduzido a mero recurso de uma economia da abstração valor-dinheiro.

É possível reverter essa lógica? É possível espacializar ou corporificar a imagem?

Sandoval serve-se aqui de uma câmera GoPro, muito utilizada por praticantes de esportes radicais, mas que se notabilizou também por usos perversos, como em casos recentes de school shootings e ataques terroristas, no qual os assassinos procuraram transmitir as matanças em live stream – fluxo vivo da morte. A artista reconhece essa tecnologia como problemática, como forma de controle social. Em 2016, realizou um experimento em Nova York, utilizando a câmera por 30 dias consecutivos, todas as vezes que esteve em espaços públicos. A pergunta que norteia esses experimentos é: “uma tecnologia autoritária pode ser transformada por uma perspectiva do corpo?” Com o uso exaustivo da câmera, ao ponto de não mais pensar sobre aquilo que se filma, ela aposta na possibilidade de reverter a tecnologia de ‘live streaming’ em uma perspectiva corporal; não, portanto, um triunfo do olhar (a câmera-olho de Vertov) mas a subsunção do olhar na percepção tátil (distraída e espacial, segundo Benjamin). A aposta em desviar a tecnologia de seu uso previsto talvez fosse inócua se não fosse acompanhada de outros dois procedimentos. O primeiro, uma investigação complexa que excede inteiramente o âmbito da imagem, articulando as dimensões da linguagem e do arquivo com a prática da deriva e a exploração do território. Não apenas tátil, mas também palpável, o caminhar é escavação e toque, emergência da memória que brota dos dedões (Bataille). Segundo, uma reflexão sobre os próprios meios e dispositivos empregados, enunciada em momento chave do vídeo, e que se alarga em reflexão conceitual, seguindo Agamben, sobre os dispositivos e suas formas históricas, do passado colonial até o presente.

Gabriel Zacarias