Literatura
Francisco Rocha Morel

Francisco Rocha Morel nasceu em 22 de junho de 1927, na cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará. Fez parte do grupo de intelectuais nordestinos que tiveram papel importante na formação da Escola de Comunicações e Artes, a ECA, da Universidade de São Paulo, a USP. Ao lado de figuras proeminentes como José Marques de Melo, Gaudêncio Torquato e tantos outros, participou de momentos importantes para a consolidação dos estudos no campo da "Comunicação Social" no Brasil.

   
   

Morel transferiu-se para a cidade de São Paulo ainda jovem, onde foi exercer as atividades profissionais de advogado e publicitário.

Esta última experiência lhe seria de muita valia em sua contribuição para o mundo acadêmico do futuro. Ao lado de Raul Fonseca, outro nome de importância na criação e formação de cursos de "Comunicação Social" e futuro companheiro de academia, Francisco Morel montou e dirigiu uma agência de publicidade.

Capa do livro de contos "Zé Benta e Outros Cabras", SP: Traço Editora. 1985. De Francisco Rocha Morel com ilustrações de Carlos Jacchieri.

Em 1967, aceitou um convite que o atrelaria definitivamente às atividades universitárias. O então recém-nomeado diretor, Júlio Garcia Morejón, se encontrava às voltas com o grande desafio de implantar uma Escola de Comunicações dentro da Universidade de São Paulo, enfrentando o ceticismo dos colegas ligados a outras unidades da Universidade de São Paulo. Morejón precisava naquele momento de pessoas empreendedoras e de absoluta confiança. Francisco Morel era uma dessas pessoas, e foi contratado originalmente como assessor de diretoria.

A grande experiência profissional de Morel rapidamente o levou à sala de aula, dentro da estrutura do "Departamento de Publicidade e Relações Públicas". Em 1970, começa a colaborar de forma efetiva com o "Departamento de Editoração e Jornalismo". Inicialmente participou da comissão que elaboraria as diretrizes do futuro curso de "Editoração" e posteriormente assumiu a responsabilidade pela cadeira "Processos de Impressão".

Na condução desta disciplina, Morel estabeleceu processos de excelência, dentro dos recursos disponíveis à época, que tinham por objetivo dar qualidade estética às publicações produzidas dentro do departamento. Um momento marcante nesse processo foi a participação, ao lado do professor José Marques de Melo, na criação da editora-laboratório "Com-Arte". Todo esmero e dedicação aos projetos gráficos das publicações laboratoriais e acadêmicas em geral lhe renderiam uma homenagem como patrono da gráfica da ECA - Escola de Comunicações e Artes.

O espírito de Francisco Morel, desde sempre, o levava a buscar a conjugação entre os campos profissional e acadêmico, e esta será uma característica de sua brilhante trajetória, verificável em suas atividades práticas e teóricas. Aqueles que com ele conviveram são unânimes em atestar sua postura irônica e quase irreverente diante daqueles que assumiam ares marcadamente teóricos, ignorando as interações mais do que necessárias entre teoria e prática.

A prova final da coerência e do acerto desta postura viria em 1972, quando, sem se desvincular da Universidade de São Paulo, Morel seria convidado para colaborar na fundação das Faculdades Integradas Alcântara Machado, mais tarde denominadas como "Unifiam". Segundo a filosofia anteriormente implantada na Escola de Comunicações e Artes, Morel procurou implementar, seguindo suas características, um curso na área de "Publicidade e Propaganda" que integrasse as experiências do mercado aos conceitos metodológicos.

Não obstante sua significativa participação em momentos históricos dos cursos de comunicação em duas importantes instituições de ensino paulistas, a mais notória e marcante contribuição de Francisco da Rocha Morel para o campo comunicacional brasileiro se daria em 12 de dezembro de 1977. Nessa data, Morel assinaria, ao lado de figuras como os professores José Marques de Melo e Cremilda Medina, a ata de fundação da INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação.

Colocadas em perspectiva, a fundação da INTERCOM e a participação de Francisco Morel no processo podem ser consideradas como marcantes, pela abrangência nacional que a instituição acabaria por tingir e pela possibilidade que ela enseja ao possibilitar a reunião e o debate das principais idéias produzidas sobre comunicação no Brasil.


Primeira página de "O Anúncio da Notícia"

Mesmo enfrentando toda a sorte de preconceitos dentro do mundo acadêmico e dificuldades epistemológicas que a criação de um novo conjunto de cursos exigia, Francisco Morel e seus companheiros iniciaram a sistematização e estruturação do modelo de ensino-aprendizagem que serve como referência até nossos dias. Existe, porém, um aspecto da obra de Morel ainda pouco conhecido e explorado: sua dissertação de mestrado, requisito que lhe seria exigido, ainda no início dos anos 80, para que pudesse seguir lecionando na Escola de Comunicações e Artes da USP. Num trabalho nada prolixo, típico de sua objetividade, Morel procurará mostrar as relações entre "Jornalismo" e "Publicidade".

Francisco da Rocha Morel desapareceu, prematuramente, em 19 de fevereiro de 1984, vítima de complicações com a saúde, deixando para trás uma obra sob um ponto de vista fundamental, mas ainda por se concretizar e enraizar no campo teórico. A dissertação de Francisco Morel, "O anúncio da notícia - Contribuição para uma retórica do discurso jornalístico", orientada por Gaudêncio Torquato do Rego, foi defendida na ECA/USP, em agosto de 1983. Este dado é bastante significativo se considerarmos que no Brasil os estudos sobre comunicação, e particularmente sobre jornalismo, encontravam-se nesta época em fase de desenvolvimento (salvo raríssimas exceções).

Especificamente no que se refere à desmitificação da prática jornalística, enquanto paradigma e paladina da democracia burguesa, Cremilda Medina foi uma das pioneiras a associar os rumos do jornalismo com uma produção industrial e comercial, já em 1978. Francisco Morel, cinco anos depois, mostraria como esta produção industrial, comercial e também ideológica teria pontos de interface com a publicidade e o discurso publicitário, ícone maior da sociedade de consumo.


Página de "O Anúncio da Notícia", texto de Morel
em edição da Revista Idade Mídia, número 1 (2002)

É importante que se ressalte que o trabalho de Francisco Morel não é panfletário, é científico, e como tal estrutura-se para provar a hipótese levantada sobre esta interface jornalismo/publicidade. Além disso, o seu domínio sobre a prática publicitária lhe permitiu vislumbrar esta realidade, estabelecendo uma análise do discurso jornalístico que transcendeu o, até então corrente, modelo analítico baseado unicamente no texto escrito.

Com o objetivo de sustentar sua argumentação, o autor estruturará sua dissertação da seguinte forma:

  • Unidade I - Teoria da Comunicação e Sociedade;
  • Unidade II - Sociedade Industrial, Comunicação de Massa e Indústria Cultural;
  • Unidade III - Retórica da Mensagem dos Meios de Comunicação de Massa;
  • Unidade IV - A Contaminação Retórica das Mensagens do Discurso Jornalístico;
  • Unidade V - O Anúncio da Notícia.

A partir das reflexões de Jacques Durand e G. Péninou sobre o emprego da metalinguagem em "Publicidade" como forma de elaboração de uma retórica, Morel buscará comprovar com a análise de cinco edições do diário "Jornal da Tarde", do grupo "O Estado de S.Paulo", como os recursos amplamente empregados pelos publicitários em suas campanhas aparecerão também na composição do noticiário apresentado por aquela publicação. O "Jornal da Tarde", obviamente, se apresenta como um recorte analítico para um padrão que se repete em toda a imprensa, principalmente a imprensa escrita, como voltaria a exemplificar posteriormente com a revista "Veja", Milton José Pinto, em 2002.

Como exibe Morel, o emprego dos chamados códigos de marca "modula abundantemente as manifestações da profissão publicitária". A análise desses códigos - cromático, tipográfico, fotográfico e morfológico - nas edições do "Jornal da Tarde", utilizadas como objeto de pesquisa, aliada a observação da construção e ocupação espacial dentro das páginas, servirá como elemento de comprovação de o quanto o noticiário jornalístico recebe tratamento de anúncio.

A localização espacial dos elementos comerciais no seio da imagem, e mais amplamente, no seio da página, não é, portanto, indiferente, visto que se sabe que os padrões de leitura não conferem o mesmo valor às diferentes partes da página. Certas configurações privilegiadas subentendem, conseqüentemente a imagem publicitária. A leitura de Morel dessas edições procurará mostrar, portanto, como esses elementos são trabalhados, associados e dissociados, de acordo com a situação e ênfase que se procure dar a este ou aquele fato.

Seja ironizando-o, reforçando estereótipos ou simplesmente procurando chamar a atenção do leitor, ou do consumidor, se pensarmos a notícia como produto e o tratamento das chamadas e manchetes, aliadas às fotos, como o mesmo que é dispensado aos anúncios. Enfim, uma maneira de tornar o produto final da prática jornalística mais atraente e cativante nas prateleiras das sociedade onde tudo está à venda.

Contracapa do livro de contos "Zé Benta e Outros Cabras".

Francisco Rocha Morel não era muito afeito aos convencionalismos do mundo acadêmico. Sua natureza o levava a um pragmatismo realizador. Um dos fundadores da ECA/USP, do "Curso de Comunicação Social" da Unifiam e da INTERCOM, Morel foi um realizador. Infelizmente, ao não se permitir uma produção escrita mais vasta de seus pensamentos, acabou por nos privar de reflexões pioneiras e pouco subexploradas.

Francisco Morel classificava de míope a tradição dos estudos sobre teoria e técnicas de jornalismo por esta se encontrar centrada na palavra escrita. Ainda que tenhamos alguns autores que procurem ir além deste padrão, a regra continua sendo basicamente a análise do texto escrito. Portanto, sua crítica, seu pioneirismo e sua visão privilegiada continuam fazendo muita diferença. O campo de estudos aberto por Morel é bastante fértil e aguarda estudos que possam aprofundar as reflexões sobre o quanto o jornalismo contemporâneo é influenciável, influenciando e influencia as relações de troca dentro do sistema produtivo hegemônico no planeta.

Edição de Texto: Osmar Mendes Júnior
Edição de Arte: Marcelo Januário