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Morel
transferiu-se para a cidade de São Paulo
ainda jovem, onde foi exercer as atividades profissionais
de advogado e publicitário.
Esta
última experiência lhe seria de muita
valia em sua contribuição para o mundo
acadêmico do futuro. Ao lado de Raul Fonseca,
outro nome de importância na criação
e formação de cursos de "Comunicação
Social" e futuro companheiro de academia, Francisco
Morel montou e dirigiu uma agência de publicidade.
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Capa
do livro de contos "Zé Benta e
Outros Cabras", SP: Traço Editora.
1985. De Francisco Rocha Morel com ilustrações
de Carlos Jacchieri.
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Em
1967, aceitou um convite que o atrelaria definitivamente
às atividades universitárias. O então
recém-nomeado diretor, Júlio Garcia
Morejón, se encontrava às voltas com
o grande desafio de implantar uma Escola de Comunicações
dentro da Universidade de São Paulo, enfrentando
o ceticismo dos colegas ligados a outras unidades
da Universidade de São Paulo. Morejón
precisava naquele momento de pessoas empreendedoras
e de absoluta confiança. Francisco Morel
era uma dessas pessoas, e foi contratado originalmente
como assessor de diretoria.
A
grande experiência profissional de Morel rapidamente
o levou à sala de aula, dentro da estrutura
do "Departamento de Publicidade e Relações
Públicas". Em 1970, começa a
colaborar de forma efetiva com o "Departamento
de Editoração e Jornalismo".
Inicialmente participou da comissão que elaboraria
as diretrizes do futuro curso de "Editoração"
e posteriormente assumiu a responsabilidade pela
cadeira "Processos de Impressão".
Na
condução desta disciplina, Morel estabeleceu
processos de excelência, dentro dos recursos
disponíveis à época, que tinham
por objetivo dar qualidade estética às
publicações produzidas dentro do departamento.
Um momento marcante nesse processo foi a participação,
ao lado do professor José Marques de Melo,
na criação da editora-laboratório
"Com-Arte". Todo esmero e dedicação
aos projetos gráficos das publicações
laboratoriais e acadêmicas em geral lhe renderiam
uma homenagem como patrono da gráfica da
ECA - Escola de Comunicações e Artes.
O
espírito de Francisco Morel, desde sempre,
o levava a buscar a conjugação entre
os campos profissional e acadêmico, e esta
será uma característica de sua brilhante
trajetória, verificável em suas atividades
práticas e teóricas. Aqueles que com
ele conviveram são unânimes em atestar
sua postura irônica e quase irreverente diante
daqueles que assumiam ares marcadamente teóricos,
ignorando as interações mais do que
necessárias entre teoria e prática.
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A
prova final da coerência e do acerto desta
postura viria em 1972, quando, sem se desvincular
da Universidade de São Paulo, Morel seria
convidado para colaborar na fundação
das Faculdades Integradas Alcântara Machado,
mais tarde denominadas como "Unifiam".
Segundo
a filosofia anteriormente implantada na Escola
de Comunicações e Artes, Morel
procurou implementar, seguindo suas características,
um curso na área de "Publicidade
e Propaganda" que integrasse as experiências
do mercado aos conceitos metodológicos.
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Não
obstante sua significativa participação
em momentos históricos dos cursos de comunicação
em duas importantes instituições de
ensino paulistas, a mais notória e marcante
contribuição de Francisco da Rocha
Morel para o campo comunicacional brasileiro se
daria em 12 de dezembro de 1977. Nessa data, Morel
assinaria, ao lado de figuras como os professores
José Marques de Melo e Cremilda Medina, a
ata de fundação da INTERCOM - Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação.
Colocadas
em perspectiva, a fundação da INTERCOM
e a participação de Francisco Morel
no processo podem ser consideradas como marcantes,
pela abrangência nacional que a instituição
acabaria por tingir e pela possibilidade que ela
enseja ao possibilitar a reunião e o debate
das principais idéias produzidas sobre comunicação
no Brasil.
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Primeira página de "O Anúncio
da Notícia"
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Mesmo
enfrentando toda a sorte de preconceitos dentro
do mundo acadêmico e dificuldades epistemológicas
que a criação de um novo conjunto
de cursos exigia, Francisco Morel e seus companheiros
iniciaram a sistematização e estruturação
do modelo de ensino-aprendizagem que serve como
referência até nossos dias. Existe,
porém, um aspecto da obra de Morel ainda
pouco conhecido e explorado: sua dissertação
de mestrado, requisito que lhe seria exigido, ainda
no início dos anos 80, para que pudesse seguir
lecionando na Escola de Comunicações
e Artes da USP. Num trabalho nada prolixo, típico
de sua objetividade, Morel procurará mostrar
as relações entre "Jornalismo"
e "Publicidade".
Francisco
da Rocha Morel desapareceu, prematuramente, em 19
de fevereiro de 1984, vítima de complicações
com a saúde, deixando para trás uma
obra sob um ponto de vista fundamental, mas ainda
por se concretizar e enraizar no campo teórico.
A dissertação de Francisco Morel,
"O anúncio da notícia - Contribuição
para uma retórica do discurso jornalístico",
orientada por Gaudêncio Torquato do Rego,
foi defendida na ECA/USP, em agosto de 1983. Este
dado é bastante significativo se considerarmos
que no Brasil os estudos sobre comunicação,
e particularmente sobre jornalismo, encontravam-se
nesta época em fase de desenvolvimento (salvo
raríssimas exceções).
Especificamente
no que se refere à desmitificação
da prática jornalística, enquanto
paradigma e paladina da democracia burguesa, Cremilda
Medina foi uma das pioneiras a associar os rumos
do jornalismo com uma produção industrial
e comercial, já em 1978. Francisco Morel,
cinco anos depois, mostraria como esta produção
industrial, comercial e também ideológica
teria pontos de interface com a publicidade e o
discurso publicitário, ícone maior
da sociedade de consumo.
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Página de "O Anúncio
da Notícia", texto de Morel
em edição da Revista Idade
Mídia, número 1 (2002)
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É
importante que se ressalte que o trabalho de Francisco
Morel não é panfletário, é
científico, e como tal estrutura-se para
provar a hipótese levantada sobre esta interface
jornalismo/publicidade.
Além disso, o seu domínio sobre a
prática publicitária lhe permitiu
vislumbrar esta realidade, estabelecendo uma análise
do discurso jornalístico que transcendeu
o, até então corrente, modelo analítico
baseado unicamente no texto escrito.
Com
o objetivo de sustentar sua argumentação,
o autor estruturará sua dissertação
da seguinte forma:
- Unidade
I - Teoria da Comunicação e Sociedade;
- Unidade
II - Sociedade Industrial, Comunicação
de Massa e Indústria Cultural;
- Unidade
III - Retórica da Mensagem dos Meios de
Comunicação de Massa;
- Unidade
IV - A Contaminação Retórica
das Mensagens do Discurso Jornalístico;
- Unidade
V - O Anúncio da Notícia.
A partir das reflexões de Jacques Durand
e G. Péninou sobre o emprego da metalinguagem
em "Publicidade" como forma de elaboração
de uma retórica, Morel buscará comprovar
com a análise de cinco edições
do diário "Jornal da Tarde", do
grupo "O Estado de S.Paulo", como os recursos
amplamente empregados pelos publicitários
em suas campanhas aparecerão também
na composição do noticiário
apresentado por aquela publicação.
O "Jornal da Tarde", obviamente, se apresenta
como um recorte analítico para um padrão
que se repete em toda a imprensa, principalmente
a imprensa escrita, como voltaria a exemplificar
posteriormente com a revista "Veja", Milton
José Pinto, em 2002.
Como
exibe Morel, o emprego dos chamados códigos
de marca "modula abundantemente as manifestações
da profissão publicitária". A
análise desses códigos - cromático,
tipográfico, fotográfico e morfológico
- nas edições do "Jornal da Tarde",
utilizadas como objeto de pesquisa, aliada a observação
da construção e ocupação
espacial dentro das páginas, servirá
como elemento de comprovação de o
quanto o noticiário jornalístico recebe
tratamento de anúncio.
A
localização espacial dos elementos
comerciais no seio da imagem, e mais amplamente,
no seio da página, não é, portanto,
indiferente, visto que se sabe que os padrões
de leitura não conferem o mesmo valor às
diferentes partes da página. Certas configurações
privilegiadas subentendem, conseqüentemente
a imagem publicitária. A leitura de Morel
dessas edições procurará mostrar,
portanto, como esses elementos são trabalhados,
associados e dissociados, de acordo com a situação
e ênfase que se procure dar a este ou aquele
fato.
Seja
ironizando-o, reforçando estereótipos
ou simplesmente procurando chamar a atenção
do leitor, ou do consumidor, se pensarmos a notícia
como produto e o tratamento das chamadas e manchetes,
aliadas às fotos, como o mesmo que é
dispensado aos anúncios. Enfim, uma maneira
de tornar o produto final da prática jornalística
mais atraente e cativante nas prateleiras das sociedade
onde tudo está à venda.
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Contracapa
do livro de contos "Zé Benta e
Outros Cabras".
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Francisco
Rocha Morel não era muito afeito aos convencionalismos
do mundo acadêmico. Sua natureza o levava
a um pragmatismo realizador. Um dos fundadores da
ECA/USP, do "Curso de Comunicação
Social" da Unifiam e da INTERCOM, Morel foi
um realizador. Infelizmente, ao não se permitir
uma produção escrita mais vasta de
seus pensamentos, acabou por nos privar de reflexões
pioneiras e pouco subexploradas.
Francisco
Morel classificava de míope a tradição
dos estudos sobre teoria e técnicas de jornalismo
por esta se encontrar centrada na palavra escrita.
Ainda que tenhamos alguns autores que procurem ir
além deste padrão, a regra continua
sendo basicamente a análise do texto escrito.
Portanto, sua crítica, seu pioneirismo e
sua visão privilegiada continuam fazendo
muita diferença. O campo de estudos aberto
por Morel é bastante fértil e aguarda
estudos que possam aprofundar as reflexões
sobre o quanto o jornalismo contemporâneo
é influenciável, influenciando e influencia
as relações de troca dentro do sistema
produtivo hegemônico no planeta.
Edição
de Texto:
Osmar Mendes Júnior
Edição
de Arte: Marcelo Januário
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