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Autora de dez livros sobre "Comunicação
Social" e "Literatura da Língua
Portuguesa", Cremilda Medina organizou também
várias antologias ensaísticas sobre
temas da atualidade. Como pesquisadora da USP -
Universidade de São Paulo, coordena um projeto
de livro-reportagem sobre a identidade cultural
da população paulistana; e na pós-graduação
coordena um outro projeto integrado de pesquisa,
que já editou sete documentos na série
"Novo pacto da ciência: a crise de paradigmas".
O depoimento a seguir foi escrito por ela própria:
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"Ao
chegar à USP em janeiro de 1971, proveniente
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
onde fora contratada como docente em 1967,
trazia o repertório acadêmico
e pedagógico da graduação
em Jornalismo e Letras (1961-1964). Um forte
acento humanístico se cruzava com a
experiência profissional, desenvolvida
ao longo da década de 60 em Porto Alegre.
No entanto, o propósito da mudança
para São Paulo girava em torno da pesquisa
e do aperfeiçoamento na docência
e nas práticas comunicacionais. Havia
a promessa, no início dos 1970, da
implantação dos cursos de pós-graduação,
uma política nacional à qual
a Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo aderiu
imediatamente. Criado em 1972 (iniciara a
docência na graduação
da ECA em 1971), minha geração
se envolveu intensamente com o primeiro pós
da América Latina em Ciências
da Comunicação e eu, por coincidência,
sou a primeira mestre formada in loco (1975).
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NOTÍCIA:
UM PRODUTO À VENDA. Jornalismo na Sociedade
Urbana e Industrial. Ed. SUMMUS. 5ª Ed.
- 1988 - 192 pág. Novas Buscas em Comunicação.
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Por
opção consciente, não aceitei
a titulação direta de doutorado, privilégio
a que minha situação de docente universitária
desde 1967 me dava acesso. E essa escolha se deve
ao reconhecimento de que era preciso estudar, pesquisar
degrau a degrau, como, aliás, vinha fazendo
desde antes de a pós-graduação
ser legitimada na USP.
Tão
logo pus o pé nesta universidade fui
contaminada pela cultura da pesquisa. Isso
se refletiu no Departamento de Jornalismo,
ao ter de preparar um plano de curso e ao
trabalhar no cotidiano da sala de aula. Comecei
dedicando 24 horas à academia, porque
na outra parte do dia atuava no mercado de
comunicação social.
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Cremilda em aula na ECA (anos 70)
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Mas
jamais admiti levar para a sala de aula na USP ou
em qualquer outra universidade, a caricatura ou
a reprodução da minha experiência
profissional enquanto matéria pedagógica,
técnica ou teórica.
O
que devo em grande parte ao aprendizado intuitivo
e disciplinado de como se atua na USP. Bem mais
tarde, por ocasião dos 50 anos da universidade,
fiz um trabalho especial para o jornal O Estado
de S. Paulo e, ouvindo professores históricos
em 1984, compreendi melhor a identidade diferenciada
desta instituição que se alimenta
efetivamente de pesquisa, ensino e extensão.
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Foi
nesse espírito que comecei a trabalhar
na graduação, auxiliando nos
primeiros meses um professor-pesquisador já
integrado à proposta inovadora que
o casamento teoria e prática representa.
Quando José Marques de Melo me fez
acompanhar as pesquisas de Jornalismo Comparado
(a primeira disciplina na ECA), me vi às
voltas com o mundo maravilhoso das descobertas
para além dos estudos bibliográficos.
A tradição dos cursos de Jornalismo
reproduzia os autores de manuais técnicos
(quase sempre norte-americanos) ou levava
os estudantes para as ciências sociais,
a história, letras ou geografia.
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O
JORNALISMO NA NOVA REPÚBLICA. Ed. Summus
- 1ª Ed., 1987, 216 pág.
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Não
se desenvolviam os estudos fenomenológicos
- afinal a comunicação despontava
como um campo sedutor para os pesquisadores de outras
áreas e estava ausente naqueles que se preparavam
para pôr a mão na massa. A ECA foi
pioneira nesse sentido já na virada dos 60
para os 70 e era então a mais jovem instituição
brasileira que pensava a comunicação
social.
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Também
antes e durante os cursos de pós-graduação
(à época, 14) me vi motivada
para criar os programas das disciplinas de
graduação. Outra vez foi José
Marques que me delegou essa responsabilidade.
Jornalismo Informativo e Jornalismo Interpretativo,
criações locais, vinham substituir
a velha disciplina em que me iniciei como
professora universitária em Porto Alegre,
Técnica de Jornal e Periódico.
Que diferença conceitual. Me lancei
aos estudos de interpretação,
pesquisei junto com o professor que trabalhava
comigo, Paulo Roberto Leandro, o jornalismo
da prática brasileira e os contrapontos
internacionais. Daí resultou meu primeiro
trabalho autoral, A Arte de Tecer o Presente,
publicado a quatro mãos na ECA em 1973.
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A
ARTE DE TECER O PRESENTE
Narrativa e Cotidiano. Ed. Summus. 1ª
Ed., 2003, 156 pág.
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Seria
enfadonho descrever toda a caminhada do ponto de
vista individual, mesmo porque desde sempre o itinerário
é grupal e coletivo, uma estratégia
obsessiva de minha parte.
Oswaldo
Jurno/AE
.jpg)
Cremilda Medina em 85
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Basta dizer que em cada etapa nestes 33 anos,
há sempre várias cabeças
pesquisando, várias intuições
criadoras empurrando o gesto transformador
e solidário perante dogmas e comportamentos
conservadores. Infelizmente o contínuo
dos afetos (afetos a essa identidade original)
não tem nunca condições
históricas sem os tropeços da
vida e da morte. A vida interrompida no grupo
dos 70, na ECA, em grande parte se deve à
ditadura de 64 que cassou mentes brilhantes,
entre elas a do professor Sinval Medina, motivo
pelo qual Walter Sampaio, Paulo Roberto Leandro
e eu pedimos demissão da USP em 1975.
Em
uma longa interrupção, que muito
prejudicou a pesquisa originada naqueles anos
de resistência, o grupo se dispersou
e poucos puderam recomeçar nos anos
da anistia.
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De 1984 em diante, ao retomar a oficina acadêmica,
encontram-se outros caminhos e outros grupos se
sucedem no ritmo alucinante de tempos de esperança
na reconstrução democrática,
na busca da ciência transformadora e na solda
cada vez mais lúcida dos produtores de novos
significados sócio-culturais.
Surgiram
então projetos como o SP de Perfil, o
laboratório de Narrativas da Contemporaneidade,
oferecido à graduação de
várias áreas de conhecimento e
ao Programa de 3a Idade, a série inter
e transdisciplinar Novo Pacto da Ciência
(sete volumes publicados), trabalhos de conclusão
de curso, dissertações de mestrados,
teses de doutorado (muitas editadas em livro).
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Aula de jornalismo (anos 70)
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Ou seja, no cordão coeso de alunos, orientandos,
colaboradores, pesquisadores nacionais e estrangeiros,
não será difícil montar um
mural (quase épico) de uma diáspora
que a qualquer momento se reagrupa pela poética
da comunhão.
As
distâncias nunca foram problema, sobretudo
nos tempos em que não existia Internet. Apesar
da elegia à USP aqui implícita, a
tribo que se manifesta nos projetos defende fronteiras
abertas: o exemplo imediato é a parceria
fundante no Projeto Plural e a Crise de Paradigmas.
Milton Greco, professor e pesquisador da inter e
transdisciplinaridade, vem de fora, de outras universidades,
juntar esforços em um tempo arrancado pela
generosidade. Egressos destes laboratórios
se espalham pelo mundo, mas um contínuo cultural
se manifesta tanto nas edições da
série São Paulo de Perfil, quanto
na coleção Novo Pacto da Ciência.
Nos
70 anos da USP, ao comemorar também 33
de pesquisa, ensino e extensão, está
em curso o oitavo exemplar desta série
do Projeto Plural que justamente reunirá
relatos de experiências de professores
e profissionais de comunicação
social agregados à identidade do núcleo
da ECA. Professores que se doutoraram no âmbito
disciplinar e assumiram a inquietude inter e
transdisciplinar estão implantando experiências
inovadoras em várias regiões brasileiras
e em outros países, sobretudo da América
Latina. |
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PROFISSÃO
JORNALISTA:
RESPONSABILIDADE SOCIAL
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Estes
pesquisadores formados na USP, quase nunca encontraram
oportunidade de ficar e contribuir para a renovação
das linhas de atuação acadêmica
ou profissional geradas no núcleo de epistemologia
ou no fórum permanente interdisciplinar que
coordeno na ECA. No entanto, mantêm, na diáspora,
laços afetivos e intelectuais, cuja rede
de comunicação resulta no diferencial
de suas propostas nas instituições
públicas ou particulares onde atuam.
Perante
a enorme responsabilidade do investimento social
na universidade pública e gratuita, responderam
com pesquisas de ponta na estratégica área
da Comunicação Social, mas ao fim
e ao cabo saem mestres e hoje majoritariamente doutores
que não devolverão à USP o
capital simbólico que aqui acumularam. Em
compensação expandem para outros territórios
- praticamente os da universidade privada - o frescor
de seus talentos e o rigor científico uspianos.
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No
núcleo de pesquisa e na USP, fica a
amargura e a perigosa incerteza do futuro:
o que acontecerá com a massa crítica
acumulada nos 33 anos (apesar da interrupção
da ditadura)? E hoje, por conta da crise orçamentária,
a escassa abertura de claros ou as distorções
na política departamental dos concursos
de admissão, que riscos se assumem
ao permitir o esgarçamento de recursos
humanos tão valiosos para a universidade?
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Investimento
na pesquisa
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Em
1987, implantado o Trabalho de Conclusão
de Curso no Departamento de Jornalismo e Editoração,
comecei a orientar alunos de graduação
junto aos mestres e doutores da pós-graduação.
Numa sinergia de pesquisa, ensino e extensão,
começava também o Projeto São
Paulo de Perfil, um livro temático de
narrativas sobre São Paulo, ora o inventário
das migrações internas e externas
que fazem o rosto brasileiro, ora os desafios
de quem vive o cotidiano do espaço metropolitano
e do Interior, bairros e regiões. Na
essência, os temas citam a aventura humana
no passado e no presente. |
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Longa
trajetória no ensino
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São,
em 2004, vinte e seis títulos realizados
e o 27º a caminho. Os alunos de Jornalismo
até 1998 e alunos de uma disciplina optativa
(Narrativas da Contemporaneidade) que ofereço
no Fórum Permanente Interdisciplinar da ECA,
criado em 1998, assinam a coleção
e levam para sua vida profissional marcas inalienáveis
do projeto abrangente de pesquisa - o diálogo
social.
Quando
o experiente jornalista colombiano Raul Osório
Vargas veio para o Brasil com a louvável
intenção de pesquisar a novas
tendências do Jornalismo e ingressou no
mestrado da ECA, pensava recortar o trabalho
empírico nas revistas históricas
e nas da atualidade. Trazia de sua viagem internacional
os ecos da velha Realidade e o interesse de
estudar a fundo as grandezas das semanais brasileiras.
Ao ter contato com os livros já publicados
até a década de 90, desviou o
foco para a série São Paulo de
Perfil e produziu o primeiro documento de pesquisa
sobre a renovação dos jovens autores
da ECA no jornalismo latino-americano. |
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ENTREVISTA
- O DIÁLOGO POSSÍVEL. Coleção:
Princípios. Ed. ÁTICA - 3ª
Ed. - 1995 - 96 pág.
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Ao
mestrado se sucedeu o doutorado e hoje o pesquisador
coordena um curso de jornalismo numa universidade
de Minas e mantém vínculos diretos
com a USP e outras importantes universidades da
América.
Os
autores estudados na dissertação de
mestrado de Raul Vargas (A reportagem literária
no limiar do século XXI, o ato de reportar,
os jovens narradores e o Projeto São Paulo
de Perfil)formam um cast profissional que, em grande
parte se destaca pela responsabilidade social e
pelo rigor e criatividade de sua assinatura nos
meios de comunicação ou, o que é
crescente, em frentes de trabalho pioneiro autônomo,
grupalizado ou cooperativado. Dos 36 TCCs (trabalhos
de conclusão de curso) que orientei, é
possível levantar marcas autorais espalhadas
na malha comunicacional nacional e estrangeira.
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Todos
identificados com cultura uspiana da pesquisa.
Uma boa parte deles engrossa a fileira de
acesso à pós-graduação,
um retorno de paixão declarada pelo
ambiente acadêmico. Assim, entre os
dezoito doutores e vinte e um mestres, contam-se
os que ou foram alunos de graduação
da USP ou de outras universidades onde cursaram
especializações, freqüentaram
seminários e oficinas, características
da itinerância que a Universidade de
São Paulo desencadeia em seus quadros
de pesquisadores. Por
todos os ângulos que se examinem estes
33 anos de militância na USP e por causa
da USP, não há como desmembrar
pesquisa de ensino e extensão.
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Cultura
uspiana
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A instituição nasceu para concretizar
a plenitude da cultura universitária, atravessou
as décadas sucessivas do século passado
e chega aos 70 anos com o peso da legitimidade e,
ao mesmo tempo, a angústia de cada vez mais
acentuada: como preservar com zelo e ternura o patrimônio
humano que agregou?"
Edição
de Texto:
Osmar Mendes Júnior
Edição
de Arte: Marcelo Januário
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