a
Entrada Gratuita

Sergio Ferro Trabalho Livre


__________________

Educativo:
55 11 2648-0258
Agendamento

Imprensa:
Sérgio Miranda
55 11 2648-0299

MAC USP
Av. Pedro Álvares Cabral, 1301
Ibirapura - São Paulo - SP, Brasil
Terça a domingo das 10 às 21 horas
Segundas-feiras fechado
Entrada gratuita

__________________

Sergio Ferro no MAC USP

Em 1974, Sérgio Ferro escreveu da França ao então diretor do MAC USP, Walter Zanini, sobre o destino de seu São Sebastião (Marighella): “Quis sempre que ele fosse bem guardado – mas não ousava oferecer. Como soube do teu interesse, venço minha timidez. O quadro é do teu museu, se quiseres. Como pagamento, o que te peço é bem cuidar dele – o que sei que farás. É que, um dia, o quadro – ou o que ele lembra – terá que ser terminado.”
O tema do quadro a que Ferro se refere é o assassinato de Carlos Marighella, fuzilado em 1969 por agentes da ditadura. Desde 1967, o pintor vinha atuando ao lado do revolucionário baiano na Ação Libertadora Nacional (ALN). Com sua prisão pela ditadura em fins de 1970, o artista fora impedido de concluir o trabalho. Não por acaso, seu Marighella - ora apelidado de Ícaro, em alusão ao mito grego, ora transmutado em São Sebastião, o comandante cristão martirizado a flechadas pelos romanos – é homenageado na obra de modo pungente com representações de morte e violência, do corpo em queda livre e do voo livre para o alto dos que vezes ousaram desafiar a tirania.
É com emoção que o MAC USP apresenta aqui Sérgio Ferro - Trabalho Livre, esta pequena retrospectiva do pintor, arquiteto, teórico e militante brasileiro. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 1961 e professor ali de história da arte até sua prisão, Ferro é exemplo de rigor no enfrentamento dos elos entre arte e trabalho, arquitetura e construção do Renascimento à contemporaneidade. Sua crítica às relações de dominação e exploração na produção da arte e da arquitetura atravessa sua produção acadêmica e impregna-se em sua atividade política e artística: dos anos 1960, quando militava na resistência armada e integrava exposições antológicas das neo-vanguardas no país, como Opinião 65, Propostas 65 e Nova Objetividade Brasileira; até as décadas de redemocratização do Brasil, quando sua arte, disseminada em importantes instituições e coleções do país e do exterior, não deixaria de ecoar os seus compromissos libertários com sindicatos, cooperativas, sem-terra e mutirões contra o neoliberalismo e o fascismo.
São Sebastião (Marighella) foi a primeira das três de suas obras incorporadas ao acervo do MAC USP. As outras duas, São Sebastião (Lamarca), pintado no presídio Tiradentes em 1971, e Lázaro, de 1972, foram cedidas em comodato em 2012 pelos herdeiros do arquiteto Júlio Barone, colega de Sérgio na FAU, na ALN e nos cárceres do regime de 64. Em materiais e procedimentos, elas dizem muito daqueles anos de chumbo que tanto impactaram a produção artística brasileira. Nelas, sujeito e objeto mergulham na descontinuidade do tempo e na heterogeneidade da forma para dar vazão ao ethos histórico em sua persistência. Por meio da alegoria, o artista atravessa e religa o passado e o momento, a arte e a história, a tradição artística e a cultura popular, o mundo cristão e o pagão, a crueldade do poder e a luta revolucionária. E é também nesse sentido que o inacabamento do S. Sebastião é alegórico: fala da interrupção brusca do trabalho artístico pelo regime, da censura, prisões e assassinatos exacerbados com o AI-5, ao mesmo tempo que da arte como canteiro permanente, como práxis, como vida; do inacabamento não só do quadro, mas também da luta a ser retomada.

José Tavares Correia de Lira
Diretor MAC USP

[topo]

Sergio Ferro Trabalho Livre

Sérgio Ferro, pensador e artista plástico, é autor de uma obra consistente e de resistência ao arbítrio e às injustiças, na qual discute o trabalho livre – tema este que é o fio condutor da presente exposição e que envolve seus diversos ofícios: o de pintor, de arquiteto e de professor.
Sua obra revela uma espécie de anatomia do próprio ato de pintar. Em seus quadros, todos os elementos podem ser visualizados, uma vez que ele trabalha camada por camada como registro de um fazer livre, condutor de todas as etapas daquilo que produz: a tela, a estrutura compositiva, o desenho, o esboçado e o acabado, o gesto, a geometria, a volumetria, a colagem, o real e o simbólico.
Para Ferro, a prática da pintura incorpora, necessariamente, a reflexão sobre o próprio ofício e sua história. Ela, assim, deve desvendar seu próprio corpo, expor suas entranhas. Ou seja, a obra não só deve refletir sobre seus propósitos, mas também sobre seus procedimentos, e tornar claro o processo pictórico, em vez de ocultá-lo, constitui uma parte substantiva de sua expressão.
O artista insere a história da arte no tratamento de suas pinturas (Mantegna, Michelangelo, Van Gogh, Rauschenberg), mas, ao reverenciar o passado, ele expressa as inquietações do presente.
Segundo Pierre Restany (1930–2003), “cada estudo do artista é a encenação de uma ideia ou de uma série de ideias”. Já o filósofo francês Gilles Lipovetsky (em texto para catálogo expositivo) afirmou que Ferro “é um pintor brechtiano, ele quer impedir a ilusão do espectador. Incansavelmente, ele exibe o maquinário que é a pintura, seu processo de produção, sua cenografia, sua materialidade profana. O lirismo da perspectiva convive com o non finito, a execução perfeccionista com o esboço: pintar é desmontar o teatro da pintura”.
Sua obra reflete situações de conflito que são inerentes ao ofício do pintor e à inserção de sua expressão na sociedade, porque a pintura não pode se alienar em si mesma: não basta ser para si, ela necessita de um outro, que lhe imponha novas razões de existência e de significados, sempre no convívio com os anseios e desafios do nosso tempo.
A partir dos anos 1970, Sérgio passa a recorrer a apropriações. A partir da tela Martírio de São Sebastião, de Andrea Mantegna (1431-1506), por exemplo, ele produziu diversas pinturas, nas quais discute o problema da injustiça e da violência, temas recorrentes em sua plástica. Posteriormente, criou uma série de desenhos e obras sobre outro martírio, o de Hamã crucificado, baseado em um fragmento do afresco de Michelangelo (1475/1564) realizado na Capela Sistina. Embora pareçam opostos, os dois martírios (de São Sebastião, vítima de sua virtude e obstinação, e de Hamã, vítima de seu próprio ardil – a traição) se assemelham, já que para Sérgio o arbítrio da violência está presente em ambos. Nessas apropriações, as referências não estão camufladas; pelo contrário, elas são sinalizadas, permitindo-nos o reconhecimento imediato das imagens apropriadas pelo artista.
Como observou o próprio artista em ensaio que escreveu em 1981 sobre Hamã, na expressão pictórica não há unidade de tempo, nem linearidade ou cronologia. Segundo ele, há uma situação temporal em conflito. Em suas telas, percebemos que há rupturas entre a fonte e a apropriação. Há evidente afastamento entre seu trabalho e o afresco de Michelangelo, que serve de ponto de partida para suas reflexões, conferindo aos fragmentos reinterpretados uma nova expressividade e significados, passando a servir a novos propósitos. Persistem, contudo, identidades entre a fonte e a apropriação, entre dois artistas e dois tempos, sobretudo pela tensão dramática no tratamento de situações permanentes de abuso, de injustiça e de crueldade.
Duas obras voltadas ao tema do martírio de São Sebastião, pertencentes ao acervo do MAC USP, homenageiam Lamarca e Marighella. Em 2022, o artista gravou um belo um depoimento sobre o processo construtivo da obra em homenagem a Marighella.
Na França, onde vive há 50 anos, Sérgio discute o ofício de pintor como um modo de resistência do trabalho livre na contemporaneidade. Desde os tempos em que frequentou a FAU USP, entretanto, o fazer já se manifestava entre suas preocupações. Segundo ele, no mundo atual, o trabalho artístico é uma das poucas expressões de produção inteiramente livre e capaz de manter uma relação integrada entre pensamento e ação, sem que o pensar subjugue o fazer.
Na pintura, esses dois processos estão imbricados, contrariando a maioria das atividades produtivas de nosso tempo. Atualmente, o pensar é sempre dominante e invariavelmente subjuga o fazer, e essa assimetria ocorre até mesmo em algumas expressões artísticas de nosso tempo, as quais desclassificam a importância e o significado do saber-fazer, do ofício do pintor. A assimetria entre o pensar e o fazer, assim, transforma-se em armadilha, na qual muitos artistas acabam perdendo sua liberdade e autonomia.
Essa exposição é uma homenagem à trajetória de Sérgio Ferro, artista e arquiteto que continua a inspirar novas gerações com sua obra e seu compromisso com a liberdade e a justiça.

Maristela Almeida e Fábio Magalhães
Curadores

[topo]