Obra audiovisual
Parceria MAC USP | São Paulo Companhia de Dança | OSESP

 

Amálgama

LISTA DE OBRAS

Amedeo Modigliani
Anita Malfatti
Cesar Baldaccini
Claudia Andujar
Egon Schiele
Emiliano Di Cavalcanti
Franz Weissmann
George Grosz
Henry Moore
Ismael Nery
Käthel Kollwitz
Kozo Mio
Marc Chagall
Max Bill
Pablo Picasso
Paul Klee
Regina Silveira
Robert Jacobsen
Simon Benetton
Tarsila do Amaral
Umberto Boccioni

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AMEDEO MODIGLIANI

Elza Ajzenberg

Ingressou na Academia de Arte de Livorno em 1898, sob a orientação de Guglielmo Micheli que era discípulo do pintor macchiaioli Giovanni Fattori. Na Academira, Modigliani desenvolveu estudos de retratos, paisagens, nus e naturezas-mortas. Nesse mesmo período, iniciou cursos de história da arte, dedicando-se ao estudo dos pré-rafaelistas e à leitura de Baudelaire, D´Annunzio e Lautréamont. Desse último autor adquiriu a concepção de que o artista é um ser excluso da sociedade por sua independência criativa e pela constante busca de auto-realização. Em 1901, Modigliani viajou por Nápoles, Amalfi, Capri, Roma e Florença. No ano seguinte, inscreveu-se na Academia de Belas-Artes de Florença, onde adquiriu mais conhecimentos sobre macchiaioli, a pintura impressionista italiana. Em 1903, freqüentou a Scuola Libera del Nudo, em Veneza e encontrou o artista Ortiz de Zàrate com o qual descobriu a Bienal de Veneza e as tendências européias da arte, com atenção especial para a obra de Cézanne e Van Gogh. Chegou a Paris no início de 1906 e alugou um ateliê em Montmartre. Em seguida inscreveu-se no curso de desenho da Accademia Colarossi. A produção artística realizada nesse momento revelou influências recebidas por Cézanne e pela arte africana. Os desenhos mostravam uma expressão intimista, cercada por espontaneidade e sensação de algo imediato. Em 1907, expôs no Salão do Outono em Paris. Logo em seguida, expôs diversas obras no Salon des Indépendents em Paris na sala dos pintores fauves. Encontrou Brancusi, em 1909, esculpindo em sua companhia no seu ateliê parisiense. O contato com o escultor propiciou alteração do trabalho volumétrico que se tornou mais simples, porém o ser humano era o tema central da escultura, sob a influência das formas arcaicas dos ídolos e das máscaras primitivas. De 1914 em diante, concentrou-se no desenho e na pintura, realizando vários retratos de pintores, escritores e intelectuais presentes em Paris. Essa fase foi marcada pela tendência expressionista em formas lineares e do alongamento das figuras. O modelado absorvido por Modigliani colocou linha e cor em equilíbrio, definindo a simplificação de sua composição.

O Autorretrato que pertence ao acervo do MAC USP é o único auto-retrato em pintura que realizou. A face afilada dá a impressão de ser uma máscara dotada de olhos vazados sem expressividade, aspecto comum à sua produção artística. O rosto oval inclinado auxilia na idéia de construção, nascida pela economia de linhas e pelo tratamento arcaico. A expressão pessoal surge da composição da tela onde o artista está sentado confortavelmente, com um casaco envelhecido, uma echarpe azul no pescoço, portando uma paleta. Uma pequena pintura, à sua direita, mostra a prática da pintura com movimentos gestuais de amarelo, ocre, branco e preto.

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ANITA MALFATTI
São Paulo, SP, Brasil 1889 - 1964

Maria Angela Serri Francoio

Pintora, desenhista e gravadora, viajou para a Alemanha, em 1910, incentivada pela família. Freqüentou a Academia Real de Berlim. Estudou com Lovis Corinth, Ernest Bischoff-Culm e Fritz Burgger.

De volta ao Brasil, em 1914, realizou sua primeira exposição individual na Casa Mappin Stores. No final desse ano, seguiu para Nova York, onde se torna aluna de Homer Boss, na Independent School of Art. Teve contato com Marcel Duchamp, Isadora Duncan, Gorki, Jean Crotti e Diaghilev. Iniciou uma obra de tendência claramente expressionista.

Em 1917, realizou a “Exposição de Arte Moderna”, em São Paulo, que se tornou marco inicial do movimento moderno renovador das artes plásticas brasileiras. Suas pinturas, desenvolvidas no exterior junto aos mestres das vanguardas expressionistas, chocaram as pessoas acostumadas aos padrões acadêmicos vigentes até então no Brasil. A mostra causou polêmicas e discussões no meio artístico tradicional. Pesquisas recentes têm revisto esse episódio na vida da artista, assim como sua produção no momento de retorno ao Brasil no sentido de reavaliar a real repercussão dessas críticas no desenvolvimento da trajetória de Malfatti.

Em 1922, participou com vinte peças da Semana de Arte Moderna. Com bolsa do governo do Estado, viajou para Paris no ano seguinte. Conviveu com Brecheret, Di Cavalcanti e entrou em contato com Léger e Matisse. Ao retornar, em 1928, organizou várias mostras de arte e deu aulas de pintura. Nos anos 30, integrou-se à Família Artística Paulista e participou dos Salões de Maio.

Participou das I Bienal de São Paulo, expondo obras do período de vanguarda, da VII Bienal, sala especial e da XVII, sala Expressionismo no Brasil: Heranças e Afinidades.

O MAC homenageou a artista com ampla retrospectiva, em 1977. Compõem a coleção do museu 10 obras entre pinturas, desenhos e gravuras.

A Boba, assim como Torso/Ritmo, da coleção MAC, faz parte dos trabalhos expostos em 1917, considerados o clímax de sua produção expressionista. Em A Boba, a figura é retratada com uma expressão vaga. Linhas negras delineiam e ressaltam essa expressão sobre um fundo abstrato, elaborado com rápidas pinceladas diagonais. Esse sistema plástico é sublinhado pelo uso de cores fortes e da tinta diluída em terembetina. É marcante a liberdade da artista na elaboração do tema e no título dado à obra. Essa pintura, entre outras de Malfatti, provocou um confronto entre a arte acadêmica e a arte moderna. A artista disse: “Quando viram minhas telas todas, acharam-nas feias, dantescas e todos ficaram tristes, não eram os santinhos do colégio.”

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CÉSAR BALDACCINI

Ana Magalhães
[english]

A nona edição da Bienal de São Paulo, em 1967, não foi a primeira na qual o escultor francês, nascido em Marselha, César Baldaccini participou. Sua presença no evento acontecera pela primeira vez em 1959, quando o artista apresentara um conjunto de assemblages de ferro e começava a se projetar internacionalmente com suas esculturas criadas a partir do uso de máquinas de compressão de carros descartados em ferros velhos. Ao chegar ao Brasil para sua segunda participação, aí sim na IX Bienal, César começava a experimentar com um novo material: o poliuretano expandido, com o qual o artista fez formas em grandes formatos vistas em Paris no Salão de Maio daquele mesmo ano. Sua Expansão Controlada havia sido, portanto, realizada nesse contexto, antes de embarcar ao Brasil para compor a sala especial do artista dentro da Representação Nacional francesa da Bienal. A França, por sua vez, se apresentava como uma jovem representação. A escolha do comissário e crítico ligado ao Nouveau Réalisme francês, ao lado de Pierre Restany, Michel Ragon, em expor esse « novo » César ao lado de jovens artistas não era neutra e vinha para fazer frente à crescente hegemonia da nova arte norte-americana, representada então pela Arte Pop. A França ainda se impôs com a polêmica que se instaurou no debate em torno do grande prêmio, disputado com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos – e cujos finalistas foram o inglês Richard Smith e César. César realizou aqui também uma expansão. A ação aconteceu em 29 de setembro daquele ano, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM RJ), com a presença de Pierre Restany e Mário Pedrosa. E durante sua visita a São Paulo, ele conheceu Walter Zanini, em visita ao MAC USP, onde demonstrou apreciação pelo Ídolo Hermafrodita de Eduardo Paolozzi (aquisição recente para o acervo do Museu). O resultado desse encontro foi uma proposta de compra de Expansão Controlada pelo Museu, esta também não sem polêmica. Zanini publica um artigo na revista Mirante das Artes respondendo à crítica local, que considerava a obra feita de um «material duvidoso e esteticamente muito ruim». Para fundamentar sua escolha, recorreu aos escritos de Herbert Read sobre a escultura moderna, colocando as expansões de César numa linhagem de reformulação da linguagem da escultura, ao lado de Eduardo Paolozzi. Em carta ao artista de fevereiro de 1968, Zanini fala sobre a colocação da obra na mesma sala do Ídolo Hermafrodita de Paolozzi. Saía de cena Unidade Tripartida de Max Bill, até então exposta no lugar que o diretor do Museu escolhera para expor Expansão Controlada. Exposta na I Bienal de São Paulo, em 1951, a Unidade Tripartida, era, para aquela geração, emblema do engajamento dos artistas brasileiros nas tendências da abstração geométrica e nas questões da arte concreta. Expansão Controlada permaneceu, assim, vestígio de uma ação de César no Rio de Janeiro e daquilo que Zanini chamou do « tournant » da escultura contemporânea.

(Acervo: Outras abordagens VOL 2)

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[português]

The ninth edition of the São Paulo Biennial, in 1967, was not the first one in which the French sculptor César Baldaccini, born in Marseille, participated. He first took part in the event in 1959, when he presented a set of iron assemblages and was beginning to be recognized internationally with sculptures created from the use of cars crushed in junkyards. When Baldaccini arrived in Brazil to participate again in the São Paulo Biennial, he was starting to experiment with a new material: expanded polyurethane, with which the artist made large-scale pieces seen in Paris, in the Salon de Mai that same year. Therefore, his Expansion Controlée had been made in this context, before he came to Brazil to take part in the special room dedicated to him in the French National Representation of the Biennial. France, in its turn, brought a young representation. The choice made by Michel Ragon, curator and critic connected with the French Nouveau Réalisme, together with Pierre Restany, to display this “new” César side by side with young artists was not neutral; the aim was to respond to the increasing hegemony of the new American art, which was represented by Pop Art that year. France was also involved in the controversial debate regarding the grand-prize disputed with Great Britain and the United States – the finalists were the English Richard Smith and César. César also conducted an expansion here in Brazil. The action took place on September 29th that same year, at the Museum of Modern Art of Rio de Janeiro (MAM RJ), with the presence of Pierre Restany and Mário Pedrosa. During his stay in São Paulo, he met Walter Zanini, when visiting the MAC USP, where he expressed his appreciation for Eduardo Paolozzi’s Hermaphrodite Idol (recently acquired by the Museum). The result of this meeting was the Museum’s proposal to purchase Expansion Controlée, a fact that was also controversial. Zanini published an article in the magazine Mirante das Artes in response to local critics, who considered the piece to be made of “doubtful and aesthetically bad material.” To justify his choice, he evoked Herbert Read’s writings on modern sculpture and located César’s expansions in a lineage that aimed at renewing the language of sculpture, together with Eduardo Paolozzi. In a letter to César of February 1968, Zanini mentions his intention to put it in the same room as Paolozzi’s Hermaphrodite Idol. Max Bill’s Tripartite Unity, which until then had been located in the room the Museum director had chosen to put Expansion Controlée, was removed. To that generation, Tripartite Unity, which had been displayed in the 1st São Paulo Biennial, in 1951, was a symbol of the engagement of Brazilian artists in abstract geometric trends and in the issues of concrete art. So, Expansion Controlée remained as a vestige of an action by César in Rio de Janeiro and of what Zanini called the “tournant” of contemporary sculpture.

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CLAUDIA ANDUJAR
Inês, 1971


Lina Alves Arruda
(DJ)
[english]

As fotografias de Inês – cujo rosto e expressão exprimem subjetividade peculiar – são repletas do chamado “interesse fotográfico”: a exaltação do contraste entre luz e sombra, instrumento característico da fotografia tradicional, é responsável pela delimitação perfilada da sobressalente figura pálida. O contraste também é acentuado pelo fundo negro, o qual atribui teatralidade à composição e a sutil conotação de pose ensaiada. Tal sensação é reforçada pela presença de duas fotografias ou de dois quadros subsequentes de um filme, que reapresentam Inês, ora apreendida como nova imagem, ora como fragmento ampliado da imagem anterior. Assim, a repetição se destaca, fazendo alusão aos mecanismos de seleção, revelação e tratamento fotográfico e delatando a instantaneidade do ato fotográfico.

O recorte abrupto delimitado pela área da película, a qual marca geometricamente o busto e a face da sobressalente figura, é o elemento que acentua a bidimensionalidade da imagem. Esse aspecto é destacado e desafiado na imagem subsequente com a sobreposição de um acrílico abaulado que perfila a face ampliada da figura, acentuando-a e atribuindo-lhe tridimensionalidade. Esse recurso, que alude à convexidade da lente fotográfica, enfatiza substancialmente o elemento justaposto e gera, simultaneamente, um conflito entre a organicidade do rosto e a geometria das arestas. Ao introduzir novas etapas à linguagem, Andujar transcende o que é tido como categoricamente fotográfico e, expondo seus artifícios, propõe uma intermediação crítica entre o olhar e o fotografado.

Nesse sentido, pode-se identificar uma análise investigativa da linguagem técnica: em Inês, a representação emerge imbuída em elementos anunciadamente fotográficos, que orientam a apreensão da mesma não como a realidade anunciada, por exemplo, pelo fotojornalismo, mas a um plano corroboradamente imagético. Inês é imagem, embora se simule como realidade. A explicitação da linguagem fotográfica beira à paródia: a exposição do filme, da marca industrializada e a evocação dos processos técnicos atuam simultaneamente como índice metalinguístico da fotografia e subversão do seu emprego tradicional. Recorte, ampliação e alusão à repetição e multiplicação (elementos que emergem com os meios técnicos de produção de imagem) indicam a eliminação do artifício que forja a fotografia como realidade.

(Acervo: Outras abordagens VOL 1)

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[português]

The photographs of Ine^s – whose face and expression show a peculiar subjectivity – are full of the so-called “photographic interest”: the praise of the contrast between light and shadow, which is a characteristic instrument of traditional photography, is responsible for tracing the contours of the profile of the protruding pale figure. The contrast is also made stronger by the black-colored background, which confers a theatrical feature to the composition as well as a subtle connotation of rehearsed pose. This sensation is reinforced by the presence of two photographs or two subsequent frames of a film that show Ine^s again, either apprehended as a new image or as an enlarged fragment of the previous image. Therefore, the repetition is highlighted, alluding to the mechanisms of cropping, development and treatment in photography and making evident the instantness of the photographic act.

The sudden cut delimitated by the area of the pellicle, which geometrically marks the bust and the face of the protruding figure, is the element that accentuates the two-dimensionality of the image. This aspect is highlighted and challenged in the following image with the superimposition of a curved acrylic sheet that shapes the profile of the enlarged face of the figure, making it more evident and three-dimensional. This resource, which alludes to the convexity of the camera lens, substantially emphasizes the juxtaposed element and simultaneously generates a conflict between the organicity of the face and the geometry of the edges. By adding new stages to the language, Andujar transcends what is understood as being categorically photographic and, by showing her procedures, she proposes a critical intermediation between the gaze and who/what is photographed.

In this sense, one may identify an investigative analysis of the technical language: in Ine^s, representation emerges imbued with widely-known photographic elements, which guide the apprehension of photography not as a reality announced by photo journalism, for example, but as a corroboratively imagetic plane. Ine^s is an image, even though it simulates itself as reality. The act of making the photographic language explicit is almost a parody: the exposure of the film, the industrialized brand and the evocation of technical processes are both a metalinguistic index of photography and the subversion of its traditional use. Cropping, enlargement and allusion to repetition and multiplication (elements that emerge with the technical means of image) indicate the elimination of the artifice used to disguise photography as reality.

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EGON SCHIELE
Autorretrato, c.1910

Felipe Martinez
[english]

A obra de Egon Schiele presente no acervo do MAC USP faz parte de uma série de autorretratos pintados pelo artista nos primeiros anos do século 20. Nela, vemos a representação de uma sensualidade bruta e de um corpo sem idealizações. A constituição frágil sustenta a cabeça pesada e o contorno preciso delimita as formas marcadas por tufos de pelo espesso que interrompem o caminho da linha. Em uma figuração visceral, o artista representa não só seu físico, mas também seu estado emocional. Membros magros e retorcidos, pelos aparentes e genitais à mostra nos lembram de que o ser humano é um animal no qual corpo e subjetividade não podem ser separados. Estamos longe dos gregos e mesmo de Michelangelo.

Schiele produziu mais de mil obras em papel até sua morte em 1918, em razão da gripe espanhola. Outros autorretratos do artista, como aquele presente na coleção do The Metropolitan Museum de Nova York, também mostram um indivíduo com formas instáveis no qual a subjetividade se confunde com a vibração do corpo. Sua obra se insere no contexto da Secessão de Viena, movimento austríaco que rompeu com a tradição em 1897 sob a liderança de Gustav Klimt. A Viena onde Schiele iniciou seus estudos era um dos principais polos culturais do mundo ocidental. O ar estava impregnado pelas ideias de Sigmund Freud e pelas teorias filosóficas que o haviam precedido. Um ambiente cosmopolita onde se encontravam oriente e ocidente, mas também palco de movimentos conservadores e de forte antissemitismo. Em 1907, Schiele conheceu Klimt, que o tomou como protegido. Depois, exibiu com os secessionistas em várias ocasiões e participou da exposição Sonderbund em 1912, em Colônia, marco do desenvolvimento do expressionismo, onde foram exibidas diversas pinturas de nomes, tais como, Cézanne, Van Gogh, Gauguin e Munch.

O retrato presente no acervo do MAC USP – feito quando o artista tinha apenas 22 anos – mostra que desde cedo sua obra já estava alinhada a esse espírito expressionista que tomava conta dos meios artísticos de vanguarda da Europa Central. Os membros alongados e a intensidade do olhar dividem o espaço com o vazio delimitado pelos contornos do desenho. Um vazio que não somente é parte integrante da obra, mas também do indivíduo moderno. A mistura de sensualidade e decadência evocada pela pintura soa como um sinal da crise que acometeria o homem moderno europeu com a chegada da guerra. O autorretrato de Egon Schiele chegou ao MAC USP por meio de um comodato, estabelecido em 2006, com Roberto Schawrcz, professor da FFLCH USP.

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[português]

Self-portrait, c. 1910, Egon Schiele

Felipe Martinez

Egon Schiele's work in the MAC USP collection is part of a series of self- portraits painted by the artist in the early years of the 20th century. In it, we see the representation of raw sensuality and a body without idealizations. The fragile constitution supports the heavy head, and the precise outline delimits the shapes marked by tufts of thick hair that interrupt the path of the line. In a visceral figuration, the artist represents not only his physique but also his emotional state. Thin and twisted limbs remind us that the human being is an animal in which body and subjectivity cannot be separated. We are far from the Greeks and even from Michelangelo. Schiele produced more than a thousand works on paper until his death in 1918 due to the Spanish flu. Other self- portraits, such as the one in the collection of The Metropolitan Museum in New York, also show an unstable individual in which subjectivity is confused with the body's vibration. Schiele’s oeuvre is connected with the Vienna Secession, an artistic movement that broke with academic traditions in 1897 under Gustav Klimt's leadership.

The Vienna where Schiele started his studies was one of the Western world's leading cultural centers. Through its streets, one breathed Sigmund Freud's psychoanalytic developments and the philosophical theories that preceded him. A cosmopolitan environment where East and West met but also a stage for conservative movements and strong anti-Semitism. In 1907, Schiele met Klimt, who took him as a protégé. Afterwards, he exhibited with secessionists on several occasions. For instance, he participated in the Sonderbund exhibition in 1912, in Cologne, a milestone in the development of expressionism, where several famous paintings like Cézanne, Van Gogh, Gauguin, and Munch were exhibited.

The portrait present in the MAC USP collection – made when the artist was only 22 years old – shows that his work was already aligned with that expressionist spirit that took over the avant-garde artistic media of Central Europe. The elongated limbs and the intensity of the look divide the space with the void delimited by the drawing's contours. This void is not only an integral part of the work but also of the modern individual. The mixture of sensuality and decadence that the painting evokes sounds like a sign of the crisis that would affect the modern European man with the war's arrival. Egon Schiele's self-portrait arrived at MAC USP through a lending agreement established in 2006 with Roberto Schawrcz, professor at FFLCH USP.

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EMILIANO DI CAVALCANTI
O Beijo, c. 1923
Têmpera s/ tela; 90,4 x 62,3 cm
Doação MAM – São Paulo, 1963

Aracy Amaral

Ao mesmo tempo que inicia seus estudos de direito, começa a desenhar caricaturas e ilustrações. Logo depois transfere-se para São Paulo, convivendo com Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Paulo Prado, Tarsila, Anita Malfatti, Brecheret, e outros artistas, escritores e intelectuais da época. Idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922, foi o autor do projeto gráfico de seu catálogo e programa. Em 1923, viaja a Paris, por poucos anos, escrevendo e pintando. Nos anos 30 é um dos primeiros a manifestar preocupação social em sua obra. Vive em Paris às vésperas da II Grande Guerra. Em 1953 ganha na II Bienal de São Paulo (ex-aequo com Volpi) o prêmio de Melhor Pintor Nacional.

O artista mais representado na coleção MAC, tendo sido o doador ao antigo MAM – São Paulo, antecessor do MAC, de mais de 500 desenhos de sua autoria – década de 20 a 1952 – conjunto alvo de publicação específica com a catalogação geral das obras (Desenhos de Di Cavalcanti na Coleção do MAC, CNEC-MAC-USP, 1985) – Di Cavalcanti está presente no acervo também no que tange à pintura, com obras de diversos períodos de sua produção. De O Beijo, fase modernizante, de datação incerta (1922 ou 1923) a obras típicas dos anos 40, como Vaso de Flores, Menino e Natureza Morta, Barcos de Pesca, a Pescadores, assinalando as características de inícios dos anos 50, além de uma obra tardia, como o Retrato de Yolanda Penteado. Nessa pintura, a modernidade vista pela ótica autodidata de Di Cavalcanti está bem evidenciada: na estilização das formas, verticalizante no que respeita às figuras, igual tratamento para primeiro e segundo planos, eliminação da perspectiva renascentista. Por outro lado, toda obra evoca um clima romântico peculiar à época – e à juventude do autor – e observa-se desde já neste artista, que será marcado pela abordagem da temática vinculada à sensualidade cálida da mulher brasileira, a predominância das curvas com a oblíqua dominando a composição centralizada no par amoroso.

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FRANZ WEISSMANN

Luís Roberto Soares

A obra Franz Weissman é compreendida, no Brasil, como uma das mais significativas do século XX. Aos 10 anos, imigra com a família da Áustria para o Rio de Janeiro. Em 1939, inicia estudos na Escola Nacional de Belas-Artes. Não conclui o curso. Na primeira metade da década de 1940, toma aulas de desenho e escultura com August Zamoysky. Transfere-se, em 1945, para Belo Horizonte, onde, a convite de Alberto da Veiga Guignard, funda a Escola de Arte Moderna. Torna-se professor de Almicar de Castro e Mary Vieira, que mais tarde serão nomes importantes no cenário artístico brasileiro. Recebeu o prêmio de melhor escultor na IV Bienal de São Paulo.

O contato de Weissman com a obra concretista de Max Bill, na I Bienal de São Paulo, marcou profundamente o trabalho do artista. A procura por formas mais simples e o uso de materiais industriais tornam-se uma marca de suas produções. Participa, em 1960, da Exposição Internacional de Arte Concreta, de Zurique. Assina o Manifesto Neoconcreto, aderindo ao grupo carioca. A partir desse momento, a obra do artista passa a apresentar um sistema de elementos formais mais expressivos, tais como o uso de vermelhos e amarelos intensos que potencializam a escultura.

Weissmann fez parte do Grupo Frente que reuniu artistas como Ivan Serpa, Hélio Oiticica e Lygia Clark. Participou da mostra de Arte Concreta do MAM SP, em 1956. Recebeu o premio ‘Viagem ao Estrangeiro’ do VII Salão Nacional de Arte Moderna, viajando para Europa e Oriente, em 1958.

Torre, obra de Franz Weissman presente no acervo do MAC, é representante direta das influências concretistas. A construção sobre três eixos é constituída de placas de ferro vazadas. Interiormente, espaços vazios e preenchidos, criam uma possibilidade de movimentação do observador. Dessa maneira, são desveladas as formas geométricas contidas na escultura e o sistema de relação entre elas. É uma escultura de espaços e não de volumes.

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GEORGE GROSZ

Helouise Costa

Desde a infância manifestou grande talento para o desenho. Iniciou sua formação artística na Academia de Belas Artes de Dresden e em seguida transferiu-se para Berlim, ingressando na Escola de Artes e Ofícios. O artista começou então a produzir desenhos de traço rápido e sintético em que registrava o caos da cidade moderna, passando a contribuir com charges e caricaturas para pequenos periódicos locais. Desde o início, sua arte assume um caráter político explícito e faz da atualidade a sua matéria-prima. Após um curto período de alistamento militar durante a Primeira Guerra Mundial, Grosz retoma sua produção artística, que se torna ainda mais contundente na crítica social e política. Pouco tempo depois, George Grosz integra-se à vertente dadaísta alemã, da qual participa entre 1917 e 1920. No ano de 1918 filia-se ao Partido Comunista e a partir de meados da década de 1920 passa a atacar o ideário nacional socialista, ridicularizando sistematicamente a figura de Hitler através de seus trabalhos. Data dessa época a sua aproximação dos princípios da Nova Objetividade. O fortalecimento do nazismo torna insustentável a situação de Grosz na Alemanha, de onde parte no início de janeiro de 1933 para os Estados Unidos, a convite de uma escola de arte, para ministrar cursos em Nova York. Considerado oficialmente inimigo do regime nazista, George Grosz naturaliza-se americano em 1938 e só consegue retornar a Alemanha no final da década de 1950, pouco tempo antes de sua morte.

A bestialidade avança é uma obra produzida em 1933, ano da ascensão de Hitler ao poder. Ela nos apresenta as pernas de uma figura humana informe que se desloca num movimento ascendente diagonal, deixando atrás de si um rastro de matéria informe que alude à destruição e à morte. Nessa obra Grosz estabelece uma forte ambigüidade entre figuração e abstração, fazendo uso vigoroso da técnica da aquarela. A bestialidade avança se assemelha a uma série de outras obras realizadas por Grosz no mesmo ano nos Estados Unidos, em que ele representa o mundo sendo consumido pelo fogo, numa visão apocalíptica do futuro da humanidade dominada pelo nazismo.

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HENRY MOORE

Maria Angela Serri Francoio/ Fernanda Lachat

Escultor e desenhista, Moore desenvolveu obra tridimensional predominantemente figurativa, com breves incursões pela abstração. Foi influenciado sobretudo pela Arte mexicana pré-colombiana, mas também pela Arte arcaica e renascentista, pelo Surrealismo e Construtivismo. A essa cultura visual vasta e multiforme do artista, soma-se uma sensível capacidade de análise da natureza. Freqüentou o Leeds College of Art e o Royal College of Art de Londres. A primeira exposição individual ocorreu em 1928, em Londres. Em 1936, participou da Mostra Internacional Surrealista, na mesma cidade. Em 1943, fez sua primeira exposição individual em Nova York. Durante a II Guerra Mundial, chocado com os bombardeios em Londres, fez a famosa série de desenhos dos refugiados nos abrigos anti-aéreos (1940).

Amplamente reconhecido, em 1945 foi indicado como membro do Comitê de Arte do British Council e recebeu Título Honorário da Universidade de Londres. Suas esculturas apresentam o volume num jogo dialético de cheios/vazios, articulação rítmica de planos, unidade de concepção e monumentalidade. Concebia a forma em profundidade, partindo de uma visão humanista e critérios orgânicos, dentro de uma tradição que remonta a Michelangelo. A observação e o estudo das formas da natureza nutria a produção escultórica do artista, destinada a uma integração paisagística. O osso purificado pelo tempo, o seixo perfurado e polido pela água são as formas arquetípicas da mitologia de Moore. Considerado um dos maiores escultores contemporâneos, recebeu o Prêmio Internacional de Escultura na XXIV Bienal de Veneza (1948), na II Bienal de São Paulo (1953) e na V Bienal de Tóquio (1959). Em 1983, o Metropolitan Museum de Nova York apresentou a retrospectiva “Henry Moore: 60 anos de sua arte” em homenagem aos seus 85 anos de vida.

Essa obra faz parte da série de figuras reclinadas, um dos temas recorrentes na produção de Moore, assim como “Mãe e Filho” e “Figuras Vazadas”. Dois blocos compõem a escultura cuja inspiração, conforme o artista, provém de Chac Mool, o mensageiro dos deuses, também conhecido como deus da chuva na cultura pré-colombiana, representado sempre inclinado.

O tratamento dado ao bronze, não polido em algumas áreas, cria tensões com as zonas de luzes resultantes do polimento, numa relação conflitante entre acabado e não-acabado. A organicidade dos volumes e espaços vazios sugere uma relação magnética entre os dois blocos da escultura, convidando o observador a circundar as figuras. São formas puras que exprimem solidamente imagens humanas sentadas. A obra remete à fala do artista (1983): “ (...) pareceu-me que os mexicanos viviam sobre a terra e com isto quero dizer que eu os via ali sentados, muito naturalmente, confortavelmente estendidos sobre a terrra.”

O MAC USP integrou essa importante obra ao seu acervo a partir do intercâmbio com a Tate Gallery de Londres, em troca de uma cópia de Formas Únicas de Continuidade no Espaço, bronze de Boccioni, cuja matriz em gesso pertence ao MAC.

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ISMAEL NERY
Composição Surrealista I (Um dirigível e um epitáfio com a palavra LEX), s. d.


Thiago Gil
(TC)
[english]

Segundo Murilo Mendes, nos últimos anos de sua vida, já com a saúde bastante debilitada pelo tumor na laringe que provocou sua morte precoce aos 33 anos, Ismael Nery dedicou-se também à escrita, deixando um conjunto de poemas, além de algumas notas expondo um pouco de sua visão de mundo. Numa delas, intitulada Arte e artista, faz algumas afirmações sobre o que entendia ser o artista moderno: “O conceito primordial de arte encerra a ideia de equilíbrio, eis por que achamos que um artista moderno não deva mais ser um cultor do temperamento e sim um estabelecedor de relações”. Nessa frase, encontram-se dois elementos comuns a muitos trabalhos do artista e que podem ser percebidos também no desenho Composição Surrealista I, possivelmente produzido nesse momento final de sua vida.

O primeiro deles é a justaposição de elementos, que desloca o sentido das figuras em si para a relação entre elas. É isso que justifica a atribuição do título “composição surrealista”, já que esse deslocamento é a base das pinturas, colagens, desenhos e objetos surrealistas. E ainda que seja um desenho, é o princípio da colagem surrealista, do encontro insólito de figuras pertencentes a realidades distantes, que rege Composição Surrealista I.

O segundo elemento é a ideia de equilíbrio. Na mitologia subjetiva criada por Nery em sua obra, essa ideia assume inúmeras vezes a forma do andrógino, do ser que concilia os sexos opostos, frequentemente assumindo as feições do próprio artista. Em Composição Surrealista I, um abdome e pernas femininos surgem como uma espécie de vaso com flores, ao lado de um torso masculino que flutua sem pernas. O fato de essas duas metades humanas, mesmo estando nuas, usarem cintos, não só faz com que pareçam complementares, como nos induz a associá-las na imaginação. Uni-las, porém, só é possível concebendo homem e mulher num mesmo ser, num mesmo corpo. É um dos sentidos que pode ter esse par de figuras cindidas, se percebermos que o torso é um autorretrato e se pensarmos que Ismael Nery criou para si, no poema Ismaela, sua versão feminina, expressão ao mesmo tempo do desejo e da impossibilidade do artista de ser completo e uno – conciliação de todas as oposições.

(Acervo: Outras abordagens VOL 1)

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[português]

According to Murilo Mendes, in the last years of Ismael Nery’s life, when he already struggled with a frail health due to a larynx tumor that caused his early death at the age of 33, the artist also dedicated himself to writing and left a set of poems as well as a number of notes in which he expressed his view of the world. In one of these pieces of writing, entitled “Arte e Artista” [Art and Artist], he expressed what he understood by being a modern artist: “The primary concept of art includes the idea of balance, and this is why we believe that a modern artist should no longer be someone who cultivates moods, but who establishes relations.” In this sentence, one may find two elements that are present in many of the artist’s works and that may also be seen in the drawing Composição Surrealista I, which was possibly created in the last moments of his life.

The first characteristic is the juxtaposition of elements, which results in the displacement of meaning from the figures itself to their relationship. This is why the piece is entitled Composição Surrealista [Surrealist Composition], for this displacement is the basis of Surrealist paintings, collages, drawings and objects. And despite being a drawing, it is the principle of Surrealist collage – of the uncommon encounter of figures belonging to distant realities – that guides Composição Surrealista I.

The second element is the idea of balance. In the subjective mythology Nery created in his work, this idea often takes on the form of androgyny, the being that unites both genders, often taking on the features of the artist himself. In Composição Surrealista I, female legs and abdomen emerge as a sort of vase with flowers next to a male torso that floats and has no legs. The fact that these two human halves use belts, even though they are naked, makes them seem complementary as well as induces us to make associations in our imagination. However, it is only possible to bring them together if we accept the idea of man and woman coexisting in the same being, in the same body. This is one of the meanings one may give to this pair of split figures, if we notice that the torso is a self-portrait and if we remind ourselves that Ismael Nery, in the poem entitled Ismaela, created a female version of himself, expressing both the artist’s desire and the impossibility of being complete and one – the conciliation of all oppositions.

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KÄTHE KOLLWITZ

Maria Angela Serri Francoio

Iniciou aulas de desenho em sua cidade natal, estimulada pela família numa época em que as mulheres não tinham acesso às academias de Belas-Artes. Estudou em Berlim (1884-1885) e Munique (1888-1889). Foi aluna de Stauffer-Bern, Emil Neide, Ludwig Herterich e recebeu influência de Max Klinger. Em 1904, em Paris, estudou escultura na Academia Julian. A postura humanitária da casa paterna somada às suas vivências no conturbado momento político e social do início do século, na Alemanha, nortearam o caminho da artista para a produção de uma verdadeira arte de denúncia e protesto em relação à injusta condição social e política da classe operária.

Casou-se com o médico Karl Kollwitz (1891), praticante de medicina social e foi morar na periferia de Berlim num bairro operário. Passou, então, a conviver com a difícil realidade das famílias proletárias e esta realidade será objeto de sua obra e do compromisso social com o seu povo. Seu trabalho sempre esteve comprometido com um dos fundamentos do Expressionismo Alemão, ou seja, a arte com finalidade social. Mais tarde sua produção é associada aos artistas da Nova Objetividade (Realismo Expressionista). Sua primeira exposição de êxito ocorreu em 1898, com a série Revolta dos Tecelões, (1893 – 1897) inspirada na peça Os tecelões do naturalista Hauptmann. Realiza o ciclo Guerra dos Camponeses (1907), com o qual recebe o prêmio Vila Romana, vivendo vários meses em Florença. Edita os ciclos, Guerra (1922-1923) e Proletariado (1925), além da série Morte (1935). Suas primeiras esculturas são de 1909.

Explorou várias técnicas de gravação, preferindo a litografia e, mais tarde, a xilogravura. Muito exigente com a própria produção, deixou registros em diários de sua busca pelo aperfeiçoamento técnico e expressivo. Já a constante temática sintetiza a própria vida da artista: o convívio com a classe operária, a luta pelo socialismo e a dor das perdas do filho e do neto nas frentes de batalha. Kollwitz alcança em suas obras a verdade atemporal do drama humano. Em 1919, foi nomeada para a Academia de Belas-Artes de Berlim. Dez anos mais tarde suas obras foram exemplo para artistas da Associação de Artistas Plásticos Revolucionários (AAPR), fundada em Berlim e Dresden (1928-1929). Em 1933, passou a ser perseguida pelos nazistas, por sua adesão ao socialismo. Nesse mesmo ano, suas obras foram expostas no Clube dos Artistas Modernos de São Paulo, influenciando, consideravelmente, artistas gravadores brasileiros. O acervo possui um Auto-retrato, 1919 e As Mâes, 1922-1923.

As Mães, pertencente à série Sete Gravuras Sobre a Guerra, é uma das contundentes xilogravuras da artista. Uma massa negra central apresenta-se sob a interferência de poucas, mas fundamentais linhas que determinam a força da composição expressionista. Um grupo de mulheres, mães unidas e abraçadas, protege seus filhos. Expressões tensas, olhos assustados, mãos fortes posicionam-se como escudos, amparo e proteção para crianças, filhos que espreitam sob a muralha formada pelos corpos das mulheres. Interessante observar que suas fisionomias assemelham-se à própria face da artista, procedimento comum em outras produções. Mulher, mãe e artista integram-se ao tema do medo da guerra gerado pela própria humanidade.

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KOZO MIO
Perspectiva no espaço C, 1970

Christiane Wagner
[english]

Estudou na Escola Municipal de Belas-Artes de Kyoto. As influências do Budismo, Ukiyo-e, Pop-Art e Op-Art são encontradas em suas obras. Em 1968, foi premiado pelo Ministério da Educação japonês e pela revista de arte Geijutsu Seikatsu. No Japão, Mio foi um artista muito reconhecido pelas suas obras "ficcionais" e também marcou presença na cena artística japonesa da época com obras gráficas, ilustrações e capas para a revista semanal Focus Photography, durante 18 anos. Suas pinturas e esboços durante os anos 1960 estavam mais focadas na relação do homem e seu subconsciente, com suas imaginações alucinatórias. No entanto, Mio não tem muitas participações em feiras de arte ou exposições internacionais fora do Japão. Entre as grandes exposições realizadas por ele, no Japão, temos os registros de sua participação na X Bienal de São Paulo (1969) que, consequentemente, repercutiu em Nova York, como relatou o crítico de arte John Canaday no New York Times, de 03 de abril de 1971, com atenção especial ao caso do Guggenheim Museum. Por um lapso da curadoria do museu, em sua exposição sobre artistas contemporâneos japoneses, outro artista japonês, que inclusive plagiava as obras de Kozo Mio, foi convidado. Foi apenas durante a abertura da exposição que os críticos de arte do cenário internacional, principalmente John Canaday, autor do artigo no New York Times, perceberam que Kozo Mio não estava lá, mas Hideo Mori. Cometeu-se um engano. No entanto, Mio não perdeu com isso; ele teve sua exposição individual organizada pela Galeria Bonino de Nova York em 1971 e, em 1974, pela Galeria Bonino do Rio de Janeiro. Pela segunda vez, Kozo Mio foi representado no Brasil. Além da participação na Bienal de São Paulo em 1969, alcançou grande destaque na Bienal de Tóquio em 1974, Tokyo International Biennale: New Image in Painting. Hoje, podemos encontrar as obras de Kozo Mio no Museu Nacional de Arte Moderna de Tóquio (MOMAT) e na Galeria Nacional de Arte Moderna de Nova Deli e, também, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Suas obras ganharam maior visibilidade no ocidente pelo domínio das técnicas de perspectiva e aerógrafo em estrutura acrílica, caracterizando um ilusionismo bastante peculiar em sua arte, com estética tridimensional pela ilusão da perspectiva, assim como a Perspectiva no espaço C (1970) do acervo do MAC USP. Além disso, a face feminina e personagens da cultura pop são características predominantes na composição imagética e translúcida com alusão ao op, pop e surrealismo. Pensar sobre essas influências da arte ocidental na obra de Mio, é lembrar especialmente que, além dessas conhecidas interpretações sobre Perspectiva no espaço C, a influência dessa técnica principal e que dá nome à sua obra não está propriamente nas origens da cultura e arte nipônicas, mas no ocidente, no renascimento italiano. "Perspectiva é o processo pelo qual chegamos à proporção, ou seja, à beleza ou à perfeição da arte", foi assim que o historiador da arquitetura italiana Giulio Carlo Argan colocou o ideal arquitetônico renascentista. Em seu ensaio sobre o arquiteto Filippo Brunelleschi (1377-1446), Argan analisou a igreja de San Lorenzo como construção de sucessão de planos imaginários vistos em perspectiva desde o primeiro plano até o horizonte, "portanto, o lugar é uma pura abstração mental, a condição prévia para a representação do espaço [...]. De fato, o plano na arquitetura de Brunelleschi é uma 'interseção' e não uma superfície; é o lugar no qual as várias distâncias espaciais são projetadas e no qual as dimensões infinitas do espaço são reduzidas às três dimensões do espaço em perspectiva". É nessa releitura baseada na técnica da perspectiva pela arquitetura de Brunelleschi que podemos relacionar o sentido da Perspectiva no espaço de Kozo Mio transferida para um contexto de sonhos, desejos e sublimações no cenário da cultura de massa, no qual a sua obra remete, em seu tempo e espaço, a uma estética ilusionista com traços do pop e op artes.

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[português]

Kozo Mio studied at the Kyoto Municipal School of Fine Arts. The influences of Buddhism, Ukiyo-e, Pop-Art, and Op-Art are found in his works. In 1968, he was awarded a prize by the Japanese Ministry of Education and the art magazine Geijutsu Seikatsu. In Japan, Mio was a very recognized artist for his fictional works and marked his presence in the Japanese art scene with graphic works, illustrations, and covers for the weekly magazine Focus Photography for 18 years. His paintings and sketches during the 1960s were more focused on human relationships and their subconscious with their hallucinatory imaginations. However, Mio did not often participate in art fairs or international exhibitions outside Japan. Among the great exhibitions he held in Japan, we have records of his participation in the Bienal de São Paulo 1969, which consequently had repercussions in New York, as reported by art critic John Canaday in The New York Times of April 3, 1971, with particular attention to the case of the Guggenheim Museum. Through an oversight, the curator of this museum, in the Guggenheim’s exhibition about contemporary Japanese artists, invited another Japanese artist, who plagiarized the works of Kozo Mio. During the opening of the exhibition, art critics from the international scene, mainly John Canaday, author of the article in The New York Times, realized the mistake—that Kozo Mio was not there, but Hideo Mori. However, it was not a total loss for Mio; he had his solo show organized by Galeria Bonino in New York in 1971 and, in 1974, by Galeria Bonino in Rio de Janeiro. This was the second time Kozo Mio was represented in Brazil. Besides his participation in the Bienal de São Paulo in 1969, he achieved great prominence at the Tokyo Biennale in 1974, Tokyo International Biennale: New Image in Painting. Today, we can find Kozo Mio’s works at the National Museum of Modern Art Tokyo (MOMAT), the National Gallery of Modern Art New Delhi, and the Contemporary Art Museum of the University of São Paulo (MAC USP). His works have gained greater visibility in the Occident for their mastery of the techniques of perspective and airbrushing in acrylic structure. These techniques characterize the very peculiar illusionism of his art, with three-dimensional aesthetics by the illusion of perspective, as well as Perspective in space C (1970), part of the MAC USP collection. Moreover, pop culture’s female face and characters are predominant features in the imagetic and translucent composition with the allusion to op, pop, and surrealism. To think about these influences of Western art in Mio’s work is to remember that, besides these well-known interpretations about Perspective in space C, the origin of this primary technique that gives name to his work is not precisely in Japanese culture and art, but in the West, in the Italian Renaissance. “Perspective is the process by which we arrive at proportion, that is to say, at beauty or the perfection of art”—that’s how the Italian architecture historian Giulio Carlo Argan put the ideal of Renaissance architecture. In his essay on the architect Filippo Brunelleschi (1377-1446), Argan analyzed the church of San Lorenzo as a construction of a succession of imaginary planes seen in perspective from the foreground to the horizon. Argan writes, “Therefore the place is a pure mental abstraction, the precondition for the representation of space...In fact, the plane in Brunelleschi’s architecture is an ‘intersection’ and not a surface; it is the place onto which the various spatial distances are projected, and on which the infinite dimensions of space are reduced to the three dimensions of perspective space [...].” It’s in this re-reading, based on the technique of perspective in Brunelleschi’s architecture, that we can relate the sense of perspective in Kozo Mio’s space transferred to a context of dreams, desires, and sublimations in the scenario of mass culture—in which his work refers, in his time and space, to an illusionist aesthetic with traces of pop and op arts.

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MARC CHAGALL
Autorretrato, 1914

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco
[english]

Adquirido por Francisco Matarazzo Sobrinho por intermédio do artista italiano Alberto Magnelli em Paris, c.1947, o Autorretrato, de Marc Chagall, fazia parte do conjunto de 32 obras de artistas da chamada “Escola de Paris”, que tinha como destino a formação da coleção do antigo Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Artista moderno dos mais celebrados, Chagall realizou diversas pinturas, desenhos e gravuras com o tema do autorretrato. Dotados de diferentes soluções plásticas, eles refletem não somente a maneira como Chagall queria se apresentar aos outros e como via a si próprio, mas carregava aspectos religiosos, a memória de suas experiências com as vanguardas artísticas do início do século XX e elementos, em suas palavras, da sua “triste e jovial cidade” Vitebsk – uma pequena e pobre comunidade judaica onde nasceu e cresceu.

A incursão de Chagall no meio artístico se deu na primeira década do século XX com aulas com Léon Bakst e Mstislav Doboujinski, em São Petersburgo, e na sequência em Paris, onde travou contato com marchands, críticos, e expoentes das vanguardas.

Quando realizou a obra do MAC USP em 1914, Chagall já era um artista reconhecido. Justamente, nesse ano ele havia deixado Paris e ido para Berlim para sua primeira grande mostra individual e, depois retornado para sua cidade natal, na qual teve de permanecer por conta da irrupção da I Guerra Mundial. A partir de então sua produção é marcada por uma mudança em que as experiências das vanguardas ficam menos latentes, e ele passa a trabalhar com variados estilos e linguagens, em alguns momentos de caráter mais irônico, em outros, mais lírico, além da paleta de cores quentes mais restrita.

Em sua longa trajetória, podemos situar os anos de 1914 e 1915 como aqueles em que Chagall mais pintou autorretratos. Aquele do MAC USP nos traz uma dimensão psicológica. O rosto, que ocupa quase a totalidade da tela, carrega um olhar melancólico, que mira para fora do quadro, sem estabelecer contato com o observador. São bastante marcadas as zonas de luz e sombra e a paleta reduzida, que com tons amarelo-esverdeados e o preto, intensifica a dramaticidade da tela. No canto inferior direito, há a representação de um animal, que não fica claro qual é, conferindo certa estranheza e um ponto de dúvida para o autorretrato.

Outro ponto importante a ser destacado é que à primeira vista, devido à forte cor empregada nos lábios e mesmo no contorno dos olhos, poderíamos especular que a representação fosse de um ator teatral, de circo ou de um palhaço, o que conferiria um duplo sentido e um aspecto irônico à obra. A hipótese é reforçada pela relação que Chagall cultivava com esses personagens. Em suas memórias, ele recorda que teve contato com palhaços e artistas de circo quando criança, o que lhe foi impactante pelo poder que essas figuras tinham de lhe “transportar para novos horizontes”. Diante das incertezas que se apresentavam naquele início de guerra, é possível que o artista desejasse distanciamento, deslocamento e outros futuros possíveis para si.

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[português]

Acquired to Francisco Matarazzo Sobrinho by the Italian artist Alberto Magnelli in Paris, c.1947, the Self-Portrait, by Marc Chagall, was part of a group of 32 works by artists from the so-called “Escola de Paris”, which was destined for the formation of the collection of the former Museum of Modern Art of São Paulo.

One of the most celebrated modern artists, Chagall made several paintings, drawings and prints with the theme of self-portrait. Endowed with different plastic solutions, they reflect not only the way Chagall wanted to present himself to others and how he saw himself, but they depicted religious aspects, the memory of his experiences with the artistic avant-garde of the early 20th century and elements, in his words, from his “sad and jovial city” Vitebsk - a small and poor Jewish community where he was born and raised.

Chagall's foray into arts took place in the first decade of the 20th century when he took classes with Léon Bakst and Mstislav Doboujinski in St. Petersburg, and then in Paris, where he made contact with marchands, critics, and avant-garde exponents.

When he created the work of MAC USP in 1914, Chagall was already a recognized artist. In that year, he had left Paris and gone to Berlin for his first major solo exhibition and then returned to his hometown, in which he had to remain due to the outbreak of World War I. From then on, his production was marked by a change in which the experiences of the avant-garde became less latent, and he began to work with various styles and languages, in some moments of a more ironic character, in others, a more lyrical one, in addition to a more restricted warm colors palette.

In his long trajectory, we can place the years of 1914 and 1915 as those in which Chagall most painted self-portraits. The one at MAC USP brings us a psychological dimension. The face, which occupies almost the whole surface of the canvas, carries a melancholy look and stares outside of the picture, without establishing contact with the observer. The areas of light and shade are quite marked and the reduced palette, with greenish-yellow tones and black, intensifies the drama of the canvas. In the lower right corner, there is the representation of an animal, which is not clear what it is, conferring a certain strangeness and a point of doubt to the self-portrait.

Another important point to be highlighted is that at first glance, due to the strong color used on the lips and even around the eyes, we could speculate that the representation was of a theatrical actor, a circus one or a clown, which would give a double meaning and an ironic aspect to the work. The hypothesis is reinforced by the relationship that Chagall had with these characters. In his memoirs, he recalls that he had contact with clowns and circus performers when he was a child, which was impacting by the power that these figures had to “transport him to new horizons”. In view of the uncertainties that were present at the beginning of the war, it is possible that the artist wanted distance, displacement and other possible futures for himself.

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MAX BILL

Shirley Paes Leme
[english]

Neste trabalho, o artista suíço Max Bill faz uso de conceitos da fita de Moebius, construída pelo matemático com uma fita bidimensional cujas extremidades foram coladas de forma contorcida. Bill defendia, para a arte contemporânea, o uso de princípios racionalistas na formulação de temas que poderiam concretizar abstrações e proposições artísticas.

Ao criar a Unidade Tripartida, ele propôs um desenvolvimento geométrico da forma no espaço ao contorcer uma fita que, em seu desdobrar, remete à infinidade na finitude da fita.

A Unidade Tripartida é produto das experiências que iriam consolidar a arte concreta, definida por ele como a “concreção de uma ideia”. Para Max Bill, “A arte concreta é o que existe na realidade, o que não é apenas conceito. Uma realidade que possa ser controlada e observada”. Para ele também, toda pintura não é bidimensional, mas “transforma-se agora em aspecto e parte de um fenômeno pluridimensional, no qual o espaço real, perpetuamente cambiante, e o espaço psíquico se superpõem. Portanto, uma pintura não é algo bidimensional, já que a concebemos em função de seu efeito, de sua ação – de seu sentido – e não como objeto fechado em si mesmo”.

Os artistas brasileiros que trabalharam a partir da noção construtiva sofreram grande influência de Max Bill, que em 1951 recebeu o primeiro prêmio de escultura na I Bienal de São Paulo.

(Acervo: Outras abordagens VOL 4)

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[português]

In this work, the Swiss artist Max Bill uses concepts from Moebius strip, built by the mathematician as a two-dimensional tape whose extremities were glued together. Bill defended that contemporary art should use rational principles to create themes that could make abstraction and artistic propositions concrete.

When he created Tripartite Unity, he proposed a geometric development of form in space by bending a strip that, in its unbending, evokes the infinity of the finitude of the strip.

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Tripartite Unity is the product of experiences that established Concrete art, which he defined as the “concretion of an idea.” To Max Bill, “Concrete art is what exists in reality, what is not only concept. A reality that can be controlled and observed.” Also to him, every painting is not two-dimensional; rather it “is transformed now in aspect and part of a pluridimensional phenomenon, in which real space, ever-changing space and psychic space are overlaid. Therefore, a painting is not something two-dimensional, since we conceive it based on its effect, on its action – on its meaning – and not as an object enclosed in itself.”

Brazilian artists whose works are based on a constructive dimension were strongly influenced by Max Bill, who in 1951 won the international sculpture prize at the 1st São Paulo Biennial.

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PABLO PICASSO
Figuras, 1945
Óleo s/ tela; 55,4 x 46,6 cm
Doação Yolanda Penteado e Francisco Matarazzo Sobrinho, 1963

Inicia seu aprendizado artístico em Barcelona, onde realiza em 1897, sua primeira exposição. Suas nostálgicas fases rosa e azul já assinalam seu desejo de afirmação buscando uma individualidade. Em Paris, após contato com exposição de Cézanne, o artista altera sensivelmente sua paleta (1906) e concepção da forma, inspirando-se vivamente na arte africana. Les Demoiselles d´Avignon (1907) é o marco do início do período cubista, que surge ao conhecer Braque, com um trabalho muito próximo ao daquele artista até por volta de 1915. Um dos pioneiros na assemblage, com elementos inéditos até então numa obra de arte, como pedaços de ferro, madeira, colagens com papéis e jornais, Picasso, com sua inventividade e liberdade criadora, revoluciona o meio artístico. Plenamente reconhecido desde a segunda década do século, retorna à figuração fluente e criativa após a I Grande Guerra, e em 1937 pinta Guernica, inspirada nos horrores da guerra civil espanhola. Rico e versátil como artista, gravador, escultor, desenhista, ceramista, Picasso significa para este século o símbolo da renovação e da vitalidade do ato criador.

Este quadro de sua autoria, doação de Francisco Matarazzo Sobrinho e Yolanda Penteado ao MAC (que também possui no acervo seis litografias do artista oferecidas por Matarazzo Sobrinho), é bem exemplar de sua produção de fins dos anos 30 e meados de 40, quando por vezes Picasso abandonava grandes superfícies para deter-se num estudo de pequenas dimensões, como a natureza morta. Assim, ele nos propõe uma cabeça de leitura recortada, presente em sua obra desde fins dos anos 30. A redução de elementos, a sobriedade compositiva é visível em certas alusões como os referenciais do encosto de uma cadeira e a forma do busto retratado. O volume insinuado dos cabelos ou a modulação de luz sobre os mesmos chegam a sugerir duas cabeças, suposição desvanecida diante da evidência do decote do vestido no terço inferior da pintura.

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PAUL KLEE
A Santa da Luz Interior, 1921


Heloísa Espada
(TC)
[english]

A santa da luz interior é frágil e ao mesmo tempo monumental. Figura desgrenhada, considerada o fruto de uma mente doentia pelos nazistas, a imagem pode ser vista como uma alegoria das crenças de Paul Klee sobre a criação artística, o que inclui a ideia de que doentes mentais, crianças e "primitivos", assim como os artistas, são seres visionários com o poder de revelar o que está além das aparências. Onde os nazistas viam "degeneração", Klee, como outros modernos, via "iluminação" e "transgressão" - dois atributos tidos por ele como essenciais para a arte moderna.

Desde o início de sua carreira, e quando se aproximou dos expressionistas do grupo Der Blaue Reiter, por volta de 1912, Klee já se interessava por obras de pacientes psiquiátricos. Em 1920, quando publica Credo criativo, o texto que inicia com a conhecidíssima afirmação de que "A arte não reproduz o visível, mas torna visível", o artista estava especialmente envolvido com as teorias de Hans Prinzhorn, historiador da arte e psiquiatra alemão que, entre 1919 e 1921, trabalhou junto à coleção de obras de doentes mentais do hospital psiquiátrico da Universidade de Heildelberg, um dos primeiros arquivos dessa natureza, criado em 1890. Em 1922, Prinzhorn publica Artistry of the Mentally III, em que analisa obras de doentes mentais, abordando as relações entre psiquiatria e arte, loucura e autoexpressão.

Klee assistiu a palestras do médico e, na Bauhaus, onde ingressou em 1921, era frequentemente visto com um exemplar do livro Artistry. Segundo Lothar Schreyer, um de seus colegas na escola, o artista se identificava com as obras da coleção Heildelberg que ilustravam o livro, se referindo-se a elas como "pinturas religiosas" e como "visões espirituais diretas". A loucura implicaria um estado de espírito despretensioso e desarmado e, por isso, mais "verdadeiro", ainda que nem sempre sereno. Nessa época, Klee produz um conjunto de trabalhos com seres que chama de "anjos", "demônios", "fantasmas" e "videntes", entre os quais estão A santa da luz interior e o desenho Angelus novus (1920), que Walter Benjamin interpretou como o anjo da história tomado de perplexidade diante das catástrofes do passado. A figura que integra a coleção do MAC USP também não tem uma feição apaziguadora. Seus olhos aparentemente cerrados remetem às deformações do cubismo, denotando um misto de monstruosidade, terror psicológico e introspecção.

(Acervo: Outras abordagens VOL 1)

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[português]

The Saint of Inner Light is both fragile and monumental. A disheveled figure, considered by the Nazi as the product of a sick mind, this image may be seen as an allegory of Paul Klee's beliefs regarding artistic creation, which includes the idea that mentally ill people, children, "primitive" people, as well as artists are visionaries who have the power to reveal what exists beyond appearances. Where the Nazis saw "degeneration", Klee, as well as other modern artists, saw "enlightment" and "transgression", two features he understood as being essential in modern art.

Since the beginning of his career and when he became closer to the Expressionist artists of the group Der Blaue Reiter, around 1912, Klee was already interested in the works of psychiatric patients. In 1920, when he published "Creative Credo", a text that begins with the famous statement "Art does not reproduce the visible; rather, it makes visible", the artist was particularly involved with the theories of Hans Prinzhorn, German art historian and psychiatrist who, from 1919 to 1921, worked with the collection of works created by patients of the psychiatric hospital of the University of Heildelberg, which is one of the first archives of its kind, created in 1890. In 1922, Prinzhorn published Artistry of the Mentally III, book in which he analyzed works created by the mentally ill, addressing the relations between psychiatry and art, madness and self-expression.

Klee attended the lectures given by Prinzhorn and, at the Bauhaus, where he entered in 1921, he was often seen holding a copy of Artistry. According to Lothar Schreyer, one of his colleagues at the school, the artist identified himself with the works of the Heildelberg collection that illustrated the book and referred to them as "religious paintings" or as "direct spiritual visions." Madness would be an unpretentious and unarmed state of mind and, because of that, it would be "more truthful", even though not always serene. At the time, Klee produced a set of works containing creatures he called "angels", "demons", "ghosts" and "clairvoyants." Among these works are The Saint of Inner Light and the drawing Angelus Novus (1920), which Walter Benjamin interpreted as the angel of history filled with perplexity when contemplating the catastrophes of the past . The figure that is part of MAC USP's collection does not have a peaceful feature either. Its apparently closed eyes evoke the deformations of Cubism, denoting a mix of monstrosity, psychological terror and introspection.

Klee encouraged his students to use their intuition. Guided by their own "inner light", the genesis of their works should begin with small but "true" acts. He also highlighted the importance of preserving the "pureness" of pictorial elements, which meant that line and color should not lose their characteristics, even though involved in the generation of forms. This is observed in the work in question, in which the line keeps its graphic force, while geometric shapes structure the face of the figure.

Modern artists, such as Mondrian, Kandisky and Malievitch also based their creative processes on mystical theories. Klee believed that every work of art was "a parable of divine creation", a testimony and example of the connection between individuals and the cosmos. In The Saint of Inner Light, he combines his belief in the "pureness" of madness with the "pureness" of visual elements, therefore, preventing the work to be subjected to any of these jargons.

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REGINA SILVEIRA
Série Middle Class@Co., 1971

Priscila Arantes
[english]

Regina Silveira vem, desde os anos 1970, construindo um percurso singular dentro do contexto da arte contemporânea. Com uma trajetória sólida, reconhecida nacional e internacionalmente, Silveira tem a qualidade de ser uma artista que transita por linguagens diversas. Vídeo, gravura, fotografia, realidade virtual, projeções urbanas, animações, esculturas e projetos site- specific são, entre outros, dispositivos criativos nas mãos da artista. A série Middle Class @ Co., presente no acervo do MAC USP, é composta por um álbum de 15 serigrafias, desenvolvida no início dos anos 1970, quando a artista esteve na Universidade de Porto Rico lecionando de 1969 a 1973.

Nestas serigrafias a artista se apropria de uma imagem fotográfica deslocando- a de seu contexto original, a mídia impressa, para estabelecer outra lógica visual. Trata-se de uma mesma imagem, uma multidão anônima, inserida em formas geométricas diversas, ora na cor preta, ora na vermelha.

Em Middle Class @ Co., a fotografia cumpre duplo sentido: não somente propiciar reflexões em relação ao papel documental e indicial da imagem fotográfica, mas também trazer à tona questões politicas relacionadas ao contexto social da época. Nesse momento, o Brasil estava em plena época da ditadura civil-militar e Porto Rico passava por momentos sociais e econômicos difíceis. Tal como o jogo político que manipula muitas vezes as massas, Silveira aprisiona e confina a multidão anônima em camadas e caixas, moldando-a e configurando-a em espaços diagramáticos diversos.

[topo]


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[português]

Regina Silveira has, since the 1970s, built a unique path within the context of contemporary art. With a solid trajectory, recognized nationally and internationally, Silveira has the quality of being an artist who travels through different languages. Video, engraving, photography, virtual reality, urban projections, animations, sculptures, and site-specific projects are, among others, creative devices in the hands of the artist.

The Middle Class @ Co. series, present in the MAC USP collection, consists of an album of 15 screenprints, developed in the early 1970s, when the artist was at the University of Puerto Rico teaching from 1969 to 1973. In these screenprints, the artist appropriates a photographic image displacing it from its original context, the printed media, to establish another visual logic. It is the same image, an anonymous crowd, inserted in different geometric shapes, sometimes in black, other times in red.

In Middle Class @ Co., photography fulfills a double meaning: not only to provide reflections on the documentary and indexical role of the photographic image, but also to bring up political issues related to the social context of the time. At that time, Brazil was in the middle of the civil-military dictatorship and Puerto Rico was going through difficult social and economic moments. Like the political game that often manipulates the masses, Silveira imprisons and confines the anonymous crowd in layers and boxes, molding and configuring them in different diagrammatic spaces.

[topo]


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ROBERT JACOBSEN
Copenhagen, Dinamarca, 1912
Taagelund, Dinamarca, 1993

Alecsandra Matias de Oliveira
[english]

Autodidata, busca no Expressionismo Alemão inspiração para sua poética. Durante a década de 1930, elabora esculturas em ferro, pedra e madeira. Nesse período, já desenvolve suas obras em forma de “bonecos” que relembram criaturas míticas com formas não muito convencionais, que marcariam todo o seu percurso estético. O artista utiliza os mais diferentes objetos em suas esculturas, na tentativa de explorar toda a sua criatividade. Com a II Guerra Mundial, o escultor atinge grande maturidade, expressando preocupações comuns ao demais artistas dinamarqueses. Os horrores da guerra e da ocupação nazista marcam suas obras pela falta de harmonia, pela agressividade e pelo aspecto “bárbaro”. Paralelamente, Jacobsen integra o grupo surrealista Host e desenvolve uma reflexão sobre este contexto, aproximando-se do grupo CoBrA, em 1948. O reconhecimento internacional de sua produção artística se dá nos anos de 1950, quando o artista se transfere para Paris (1947). O contato com as vanguardas, principalmente nas exposições da Galeria Denise Renné, do Salão Réalités Nouvelles, do Salão de Maio e da Jovem Escultura (complemento do grupo Jovens Pintores de Tradição Francesa), impele Jacobsen às construções mais abstratas – um jogo entre linhas retas e curvas – se aliando às formas da natureza. Inversamente, as obras contemporâneas e às obras do período da guerra, nessa fase suas esculturas são lúcidas e perseguem a liberdade plena. Em 1966, ganha o Grande Prêmio de Escultura na Bienal de Veneza. Em 1969, muda-se, definitivamente, para Taagelund (Dinamarca). De 1976 a 1985, desenvolve doutorado na Royal Danish Academy of Art (Copenhagen). Inovador e alheio a classificações pré-estabelecidas, Robert Jacobsen passa por diferentes estilos, tornando sua linguagem pessoal, na qual a fronteira entre a figuração e a abstração é bastante permeável.

[topo]


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[português]

Autodidact, Robert Jacobsen searches in the German Expressionism the inspiration for this poetics. During the 1930s he markes iron, stone and wooden sculptures. In this period, he creates artworks in form of “dolls” that remind us of non-conventional mystic creatures and that marked his entire aesthetic trajectory. The artist uses different objects in his sculptures in order to explore his creativity. With the World War II he achieves his great maturity and expresses concerns in common with other Danish artists. The horrors of the war and of the Nazi occupation appear in the lack of harmony, in the aggressiveness and in the “barbaric” aspect of his artworks. Jacobsen also takes part in the surrealist group Host and develops some considerations about this context. He approaches the CoBrA Group, in 1948. The international acknowledgement of his artistic production happens in the 1950s, when the artist moves to Paris (1947). The contact with the avant-gardes, mainly through the exhibitions of Denise Renné Gallery, of the Salon of Réalités Nouvelles, of the Salon of May and the one of the Young Sculture ( a complement of the Young Painting of French Tradition Group), guides him towards more abstract constructions – an exchange between straight and curved lines – allied with the forms of nature. Differently from the contemporary works and the works of the war period, in this phase, his sculptures are lucid and seek full liberty. In 1966, he is awarded the Grand Prix of Sculpture of the Venice Biennial. In 1969, he moves to Taagelund (Denmark) for good. From 1976 to 1985, he develops his doctorate in the Royal Danish Academy of Art (Kopenhagen). As an innovative artist who is not concerned with pre-established classications, Robert Jacobsen experiences different styles and elaborates his personal language in which the boundary between figuration and abstraction is permeable.

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SIMON BENETTON
O jardim dos filósofos e além, 1989-1990
Felipe Martinez
[english]

As esculturas do italiano Simon Benetton são como ideogramas escritos com metal. Rígidas em sua materialidade, mas maleáveis no desenho, suas formas se projetam no espaço a ativam o vazio ao redor. Essas características podem ser encontradas na obra O jardim dos filósofos e além, presente no acervo do MAC USP, uma instalação composta por sete esculturas alinhadas sobre uma superfície modular. Ainda que fluídas, essas esculturas flertam com formas geométricas bem delimitadas, mas sem os rigores do ângulo reto. Os breves momentos de ortogonalidade não são mais do que um pretexto para que formas inesperadas possam riscar o espaço, projetando uma vibração quase sonora.

As esculturas de O jardim dos filósofos e além são uma mistura de materialidade, especialidade e sonoridade. Juntas criam um “espaço habitável”, como queria o escultor. Por isso mesmo têm uma dimensão pública: além do MAC USP, é possível encontrar esculturas de Benetton em locais, tais como, o Museu de Arte Moderna de Roma e o Museu de Arte Contemporânea de São Francisco. Essa dimensão pública é essencial para analisar a produção do escultor, na qual o espectador é convidado a pensar o espaço como parte integrante da obra. Os corpos metálicos pensados pelo artista devem ser entendidos em sua relação com o espaço que os circunda, tanto pelas formas diretamente projetadas por cada escultura quanto pela sucessão rítmica do conjunto.

Nascido na Itália em 1933, Benneton teve sua trajetória marcada pela exploração dos materiais para criar uma abstração espacial arrojada, característica que pode ser encontrada na obra de seu pai, também escultor, Toni Benneton. Desde seus estudos em Veneza até a maturidade, suas esculturas se aproximam das tendências da arte cinética praticada em meados do século passado, por nomes como Alexander Calder e Jesús Soto. As esculturas de Benetton, no entanto, pretendem ir além do movimento. Como o próprio artista repetia, elas devem convidar a uma experiência que transcenda a matéria, como uma reflexão ou um sentimento. A obra do MAC USP cumpre esse papel, como seu nome deixa claro: um jardim de formas enigmáticas dedicado à reflexão e à filosofia. As árvores metálicas de Benetton também inspiram o movimento do corpo, como se convidassem a uma coreografia e confirmassem que na filosofia do escultor movimento também é pensamento.

O jardim dos filósofos e além esteve presente na XXI Bienal de São Paulo e foi posteriormente doado pelo artista ao museu.

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[português]

The garden of philosophers and beyond, 1989-1990<

Felipe Martinez

The sculptures by Italian Simon Benetton are like ideograms written with metal. Rigid in their materiality but malleable in their drawing, their shapes activate the emptiness of space. One can find these characteristics in the artwork The garden of philosophers and beyond, present in the MAC USP collection, an installation composed of seven sculptures aligned on a modular surface. Although fluid, these sculptures flirt with well-defined geometric shapes, but without the right angle's rigor. The brief moments of orthogonality are nothing but a pretext for unexpected forms to scratch space in a resonant vibration. The garden of philosophers and beyond sculptures are a combination of materiality, specialty, and sonority. Together they create a "habitable space," as the sculptor wanted. That is why they have a public dimension: in addition to MAC USP, one can find Benetton’s sculptures in places like the Museum of Modern Art in Rome and the Museum of Contemporary Art in San Francisco. This public dimension is essential to analyze the artist's production, in which the viewer is invited to think of space as an integral part of the work. Thus, these metallic bodies must be understood in their relation to the space surrounding them, both by the shapes directly projected by each sculpture and by the rhythmic succession of the ensemble.

Born in Italy in 1933, Benneton had his career marked by the exploration of materials to create a bold spatial abstraction. From his studies in Venice to maturity, his sculptures are close to the trends of kinetic art practiced in the middle of the last century, by names like Alexander Calder and Jesús Soto. One can find this in the work of his father, also a sculptor, Toni Benneton. Benetton's sculptures, however, aim to step beyond movement. As the sculptor himself repeated, they must invite the public for an experience that transcends matter, such as a reflection or a feeling. As its name clarifies, MAC USP's work fulfills this role: a garden of enigmatic forms dedicated to thinking and philosophy. Benetton's metallic trees also inspire the body's movement, as if inviting choreography and confirming that movement is also thought in the sculptor's philosophy.

The garden of philosophers and beyond was present at the 21st Bienal de São Paulo and was later donated by the artist to the museum.

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TARSILA DO AMARAL
Paulo Sérgio Duarte
[english]

A Negra, 1923, de Tarsila do Amaral, [...] É uma das demonstrações que o Brasil poderia ser moderno. A Negra vai bem mais longe do que o mestre Léger; não na herança formal à qual se mantém fiel, mas no investimento de sentido, naquilo que faz com que Tarsila não siga à la manière de. É um nu, cuja radicalidade é contextualizada. Todos os estereótipos – especialmente a inveja e o ciúme da mulher branca brasileira – que a classe dominante fez da sua rival negra – estarão presentes. O peito é caído, talvez de tanto dar de mamar aos filhos dos senhores, e os lábios são exageradamente grossos, mas Tarsila já está em outro tempo que não é o de Manet, é filha inteligente do cubismo, mas mantém um pé nas soluções de compromisso da arte brasileira; o detalhe não bastará para esclarecer. Toda a ambivalência e a ambiguidade da arte moderna brasileira estão agora expostas numa outra tensão. A Negra, como Les Demoiselles d’Avignon, é um quadro manifesto. Quando observamos os desenhos que preparam A Negra estamos diante de um corpo reduzido a um plano, fiel a seu tempo, coisa raríssima por essas bandas, não somente na arte. Nada das ilusões acadêmicas, nenhuma concessão. O brutalismo da figura ofende, antes de tudo porque não repete literalmente a lição cubista. O corpo deformado é contínuo, não se fragmenta, nem é objeto de gesto destrutivo. O plano se afirma numa composição do corpo “inteiro” que, sem exagero, diríamos construtiva. E nisso está um elemento de tensão. Porque, na pintura, as retas fazem parte do ambiente, que não chega a ser fundo, mas são acessórias; as retas seriam os elementos construtivos por excelência, como o são em vários outros trabalhos de Tarsila, discípula de Léger. Na Negra, como no Abaporu, 1928, são as curvas que aparentemente constroem. Mas é na Negra que temos a arquitetura mais completa, embora, à primeira vista, menos provocadora. O seio que se sobrepõe ao braço quer ser uma espécie de primeiro plano que não pode existir. Não há, além da superposição do desenho, nenhuma ilusão de profundidade, apesar da representação de volume, que radicaliza, ma non troppo. Se as linhas do desenho são curvas, um sistema de retas ausentes organiza todo o quadro, produzindo sentido. Os lábios oblíquos indicam um mal-estar ou um certo dégout e os olhos, em flecha, exprimem mais altivez e tédio do que ódio. A imagem da Negra ocupa o quadro inteiro, não é figura numa composição.

“Sentada no chão, a Gioconda brasileira não sorri. É um maravilhoso monstro moderno”.

In: DUARTE, Paulo Sergio. Anos 60 – Transformações da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998, p. 19.

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[português]

A Negra [The Black Woman] by Tarsila, 1923, does not escape from this consciousness. It is an example that Brazil could be modern. A Negra goes further beyond the master Léger; however, not in terms of its formal heritage to which it remains faithful, but in terms of giving meaning, in terms of what makes Tarsila not follow à la manière de. It is a nude painting, whose radical feature is contextualized. All stereotypes the ruling class has formed about the black woman are present – especially the envy and the jealousy of the white Brazilian woman. Her breasts are saggy, maybe for having breastfed all the children of her lady and her lips are exaggeratedly thick, but Tarsila lives in another time that is not that of Manet. She is the intelligent daughter of Cubism, but remains partially attached to the solutions to which Brazilian art is committed; the detail will not be enough to clear this out. The entire ambivalent and ambiguity of Brazilian modern art are not evident in a different tension. A Negra, like the Les Demoiselles d’Avignon, is a manifesto painting. When we observe the drawings made in preparation for A Negra we see a body reduced to one plane, faithful to its time, which is extremely rare around here and not only in the field of the arts. No academic solutions, no concession. The brutality of the figure offends, first of all, because it does not repeat the cubist lesson literally. The deformed body is continuous; it is not fragmented; it is not the object of a destructive effort. The plane is affirmed in a composition in which the body is “complete” and, without exaggerating, we would say it is constructive. And this is an element of tension. Because in painting the straight lines are part of the environment, which is not deep, but they are accessories; the straight lines would be the constructive elements per se, as they are in various other works by Tarsila, a student of Léger. In Negra, just as in Tarsila’s 1928 Abaporu, the curves are the elements that apparently construct. But in Negra we have a more complete architecture that is less provocative at first sight, though. Her breast juxtaposed to her arm intends to be a sort of a foreground that cannot exist. Besides this superimposition, there is no illusion of depth, despite the representation of volume, which makes it more radical ma non troppo. Whereas the lines of the drawing are curved, a system of absent straight lines organizes the entire painting, which produces meaning. Her oblique lips indicate a malaise or a certain dégout and her arrow-shaped eyes seem to express proudness and boredom instead of hatred. The image of the Negra occupies the entire painting; it is not a figure in the composition.

“Sitting on the floor, the Brazilian Gioconda does not smile. It is a marvelous modern monster.”

In: DUARTE, Paulo Sergio. Anos 60 – Transformações da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998, p. 19.

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UMBERTO BOCCIONI
Formas Únicas de Continuidade no Espaço, 1913
Bronze; 116 x 38cm (sem base)
Doação Francisco Matarazzo Sobrinho, 1963

Annateresa Fabris

Discípulo de Balla, adere ao futurismo em 1910, assinando os dois manifestos dedicados à pintura. É um dos mais ativos divulgadores do novo movimento, lançando vários manifestos, publicando em 1914 Pintura Escultura Futuristas, escrevendo algumas sínteses teatrais, realizando experiências com as palavras em liberdade. Interessado no dinamismo e na simultaneidade, propõe na escultura o princípio “polimatérico” e o uso de meios mecânicos para animar os planos da composição. A pesar do radicalismo de suas propostas, continua a utilizar materiais tradicionais como o gesso e o bronze. Em 1915 demonstra estar meditando as lições cézannianas, exercício interrompido por sua morte acidental em 1916.

No Prefácio ao Catálogo da I Exposição de Escultura Futurista em Paris (1913), Boccioni faz uma afirmação sobre o corpo em movimento que parece emanar diretamente de Formas Únicas de Continuidade no Espaço: não se trata de captar sua trajetória – a passagem dum estado de repouso para outro similar – e sem de “ficar a forma que exprime sua continuidade no espaço”. Com um jogo dinâmico de côncavos e convexos, Boccioni constrói uma arquitetura espacial alicerçada numa poderosa espiral contínua, que determina o movimento centrífugo da figura, sua interação com a atmosfera, sua percepção em termos abstratos por ter atingido um estágio de despojamento no qual a “forma-força” se impõe em toda a sua concisão e essencialidade como puro ritmo plástico. Há na coleção do MAC a matriz em gesso desta peça e também o gesso e uma cópia em bronze de Desenvolvimento de Uma Garrafa no Espaço, de 1912. Ambas as matrizes participam, em 1986, da ampla retrospectiva “Futurismo & Futurismi” no Palazzo Grassi de Veneza.

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