Diário de Cheiros - Teto de Vidro


Diário de Cheiros / Teto de Vidro
Kátia Canton, MAC USP

A exposição Teto de Vidro está incorporada a um projeto intitulado Diários de Cheiros, que é por sua vez um desdobramento do Diário de Imagens. Essas obras resultam em um corpo de trabalho, que toma forma desde o início dos anos 1980 e se apresenta de forma multimídia, incorporando uma infinidade de suportes, do desenho e objeto, às instalações olfativas do presente, passando por páginas construídas na internet, projeções e avatares.

A artista brasileira, que reside em Nova York desde os anos 1970, nutre-se da experiência pessoal e dos fatos sócio-políticos que mobilizam o mundo, sobretudo, aqueles que tocam a condição do feminino -- para criar uma teia híbrida, onde costura a relação tempo/espaço de maneira espiralada e contínua, assimilando em seus fluxos imagens, sons, lembranças e, cada vez mais, cheiros retirados de seu cotidiano e de suas histórias de vida.

Para Josely Carvalho, o olfato, sentido minimizado na fosforescência visual e sonora da sociedade contemporânea, tornou-se elemento central de resgate da memória individual e coletiva. O assunto já povoava seu interesse há muito tempo e passou a habitar suas exposições-instalações, realizadas com ninhos de forma gradual. Os ninhos, comentários visuais sobre a necessidade humana de abrigo e afeto e a insegurança proporcionada pela condição contemporânea, eram feitos com galhos de resina e formavam grandes espaços de suspensão. Em 2009, ela apresentou a instalação Architectando: o ninho de Elias, na exposição Um Mundo de Sem Molduras, no MAC USP. Em 2010, os galhos e ninhos ganharam cheiros no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro e, finalmente, em 2011, em Viana, ES, tornaram-se o tema central de seu trabalho. Na exposição Uru-ku, construída ali a partir de uma residência, garrafas de perfumes vazias eram preenchidas pelos moradores com suas próprias memórias de cheiros. A artista criou vídeos e livros trabalhou com o próprio cheiro do urucum.

Como tudo que realiza faz parte de um diário e um diário pressupõe intimidade, podemos deduzir que a exposição Teto de Vidro seja feita a partir das narrativas e memórias pessoais da própria artista. Mas, a primeira dessas narrativas está fechada e protegida. Seu livro olfativo está arquivado numa vitrine de vidro.

Percorrendo o espaço da exposição, deparamos com vidros feitos de copos e taças estilhaçadas incorporando ações de ruptura. Rompimentos. Eles exalam quebras no fluxo das histórias de vida. São justamente esses pontos de quebra que ganham os atributos olfativos, sendo batizados respectivamente como Afeto, Prazer, Vazio, Ausência, Ilusão e Persistência. E há justamente o cheiro que exala das quebras. Cheiro de estilhaços.

Finalmente, esculturas de vidro soprado transparente guardam em si o cheiro da resiliência. Cheiro que o público é convidado a sentir e interpretar a partir da manipulação dos objetos, ativando seus próprios sentidos olfativos.

São cheiros criados exclusivamente pela artista para buscar recompor a ideia por trás do que seria hoje a resistência. Não é à toa que parte dos vidros estilhaçados foi coletada a partir de uma manifestação política no Rio de Janeiro.





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