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© 2011 Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo

 

FOTÓGRAFOS DA CENA CONTEMPORÂNEA

Textos da exposição:
Curadoria
Antonio Guerreiro
Nobuyoshi Araki
Andres Serrano
Oliviero Toscani
Cris Bierrenbach
Vanessa Beecroft
Cultura e Natureza
Ações e performances



Curadoria
Helouise Costa
Curadora

O momento decisivo foi um ideal perseguido por diversas gerações de fotógrafos que buscaram capturar, no curso da própria vida, imagens capazes de revelar o sentido mais profundo dos acontecimentos. A partir do final da década de 1950, no entanto, esse tipo de imagem começou a mostrar-se insuficiente para dar conta das transformações advindas da chamada pós-modernidade. O instante extraído do fluxo da vida deixaria de exercer o seu poder revelador e a imagem fotográfica passaria a ser apenas mais um dos mediadores da experiência de estar no mundo, seja do fotógrafo ou do artista no exercício de seu potencial crítico.

Esta exposição reúne imagens da Cid Collection com algumas poucas obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Buscou-se delinear um panorama dos temas e questões recorrentes nos trabalhos produzidos, a partir da década de 1950. Essa coleção já foi aqui objeto de outra mostra intitulada Fotógrafos da Vida Moderna . Desta vez o recorte temporal abarca os anos de 1954 a 2005 e evidencia uma mudança radical na atitude do fotógrafo/artista. Este passa a empregar o dispositivo fotográfico em sentido amplo, o que inclui não só a tomada tradicional com a câmera, mas também a construção da imagem por meio de encenações e manipulações, a hibridação com outros meios, a retomada de processos fotográficos extintos ou ainda o uso de recursos digitais.

Já do ponto de vista temático é possível identificar preocupações que passam pela relação entre cultura e natureza, pela materialidade do corpo na sua ambígua existência enquanto sujeito e objeto, bem como pelas determinações que a fotografia impõe às ações e performances artísticas. A multiplicidade dos papéis e práticas sexuais na atualidade, por sua vez, ganhou uma sala especial. Nela os limites do que pode ou não ser considerado obsceno são colocados à prova. O público será desafiado a pensar sobre as questões morais e éticas suscitadas pela exibição de certos tipos de fotografia no espaço de um museu de arte.

Por fim, convidamos o visitante a um desafio ainda maior que é o de atentar para a presença da Cid Collection em um museu como o MAC USP e para as possibilidades de pesquisa e reflexão que ela oferece. Esse patrimônio corre o risco de se dispersar, cabendo à sociedade manifestar-se sobre a importância de sua permanência em uma instituição pública, em um meio como o nosso, tão carente de acervos representativos da experiência fotográfica contemporânea.

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Antonio Guerreiro

O arquivo fotográfico de Antonio Guerreiro nos oferece um olhar privilegiado sobre a história recente do país. A vida mundana é a plataforma de observação a partir da qual ele aponta sua câmera para as boates, passarelas, festas, vernissages, palcos e camarins. De seu encontro com os Dzi Croquettes resultou uma série de retratos que dão conta da irreverência do grupo carioca de treze artistas, que ao longo da década de 1970 desafiou o conservadorismo vigente, em plena ditadura militar. Liderado pelo bailarino norte-americano Lennie Dale, o grupo integrava música, dança, teatro e performance em seus espetáculos, sem seguir fórmulas pré-determinadas. O travestismo foi uma das estratégias mais marcantes por eles utilizada para a afirmação de sua pansexualidade, o que significava cultivar o erotismo e o desejo sexual para além das classificações estanques de gênero. Dentro e fora dos palcos os Dzi Croquettes colocaram em prática uma visão libertária de mundo, fazendo eco ao movimento de contracultura que naqueles anos manifestou-se em diversos países. No Brasil, no contexto repressivo da ditadura militar, o exercício de liberdade praticado pelo grupo pode ser entendido como uma atitude essencialmente política.

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Nobuyoshi Araki
A partir do início da década de 1990, Nobuyoshi Araki tornou-se o fotógrafo japonês mais conhecido no Ocidente. Parte do interesse despertado por seu trabalho deveu-se ao caráter sexualmente explícito da maior parte de suas fotografias. Não menos atraente foi a atmosfera de erotismo que sua obra permitiu revisitar a respeito da sexualidade misteriosa das gueixas, presente no imaginário ocidental colonialista. Araki trabalhou inicialmente como fotógrafo de publicidade, atividade que abandonou na década de 1960. As imagens produzidas por ele, a partir de então, não podem ser dissociadas de sua vida privada, seja de suas experiências como habitante da cidade de Tóquio, interessado em seus aspectos menos glamorosos, seja de seus relacionamentos íntimos com as mulheres. No que se refere a este tema há uma forte tensão que emana de suas fotos, como se fossem tomadas na iminência do ato sexual. A produção de Nobuyoshi Araki já foi muitas vezes acusada de pornográfica, fetichista, machista e, até mesmo, misógina. Aos seus detratores ele rebate afirmando que as modelos de suas fotografias submetem-se voluntariamente aos rituais sexuais que ele lhes propõe. Supostamente estariam dando vazão às suas próprias fantasias de subserviência e ao exercício do poder feminino de sedução. Seja qual for o tipo de acordo estabelecido entre o fotógrafo e suas modelos, nos cabe observar que as fotografias de Araki, com sua beleza voyeurística, causam forte perturbação ao transgredirem os mais diversos limites e não se deixarem facilmente classificar.

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Andres Serrano
A História do Sexo é o título de uma polêmica série de fotografias que Andres Serrano produziu entre as décadas de 1980 e 1990. As fotos são encenadas e ampliadas em grande formato por meio do Cibachrome , técnica recém-inventada na época, que confere às cópias cores saturadas com alto brilho, semelhante às imagens publicitárias. Para contar a sua versão da história do sexo Serrano realizou uma espécie de inventário das múltiplas variantes das fantasias e práticas sexuais, muitas das quais consideradas abjetas e obscenas. Chama atenção nesta série a serenidade dos retratados que parecem atuar em defesa de sua própria sexualidade e do direito de usufruir de suas preferências. Andres Serrano já teve suas fotografias atacadas por fanáticos em diversas ocasiões. A última foi este ano, em abril de 2011, numa exposição na cidade de Avignon, na França. Supondo que um dos objetivos do fotógrafo seja testar os limites da tolerância diante da diversidade, tudo indica que o potencial questionador de sua obra está longe de se esgotar.

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Oliviero Toscani
Durante dezoito anos, entre 1992 a 2000, o fotógrafo Oliviero Toscani foi o responsável pelas campanhas publicitárias da grife de roupas italiana, Benetton. Ao invés de fotografar os produtos ou criar cenas inócuas e sedutoras, Toscani optou pela estratégia de produzir fotografias sobre temas tabu da atualidade. Diferenças étnicas, questões de gênero, homoerotismo, racismo, ecologia, pena de morte e Aids foram apenas alguns dos temas que abordou, de modo nem sempre considerado politicamente correto. A fotografia aqui presente coloca em questão a obrigatoriedade do celibato imposto a padres e freiras pela Igreja Católica. Reproduzida em outdoors e na mídia impressa global, a imagem gerou protestos em diversos países, tendo sido proibida de circular na Itália e na França. Na mesma época foi premiada na Inglaterra, o que nos chama atenção para o papel do contexto cultural na recepção das imagens. Acusado por alguns de instrumentalizar as causas sociais para a venda de produtos e aclamado, por outros, como criador genial, Oliviero Toscani marcou época na publicidade com suas imagens de grande plasticidade e forte apelo moral.

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Cris Bierrenbach
A retomada de processos fotográficos primitivos é uma estratégia utilizada na produção contemporânea como contraponto ao automatismo da fotografia atual. Esse é o caso do uso do daguerreótipo, imagem única e positiva gravada sobre placa de metal. Considerado como o primeiro processo fotográfico de produção de imagens, caiu em desuso a partir da década de 1850, substituído por processos mais rápidos e econômicos que permitiam a reprodutibilidade. Ao produzir seus autorretratos em daguerreotipia, Cris Bierrenbach remonta a uma espécie de pré-história da fotografia, como se buscasse recuperar o momento fundante da representação. O daguerreótipo confere uma materialidade peculiar à imagem que parece se adequar perfeitamente ao exercício de captura de fragmentos do próprio corpo desenvolvido, há alguns anos, por Bierrenbach. Além disso, a superfície metálica promove a fusão entre o retrato da artista e o reflexo do observador, que é exigido a buscar o melhor ponto de vista para conseguir visualizar a obra. Cabe assinalar, por fim, que a daguerreotipia envolve uma forte dimensão de risco na manipulação de metais e substâncias tóxicas, o que faz da sua confecção uma complexa experiência de embate com a matéria, muito além da captação de um momento fugidio.

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Vanessa Beecroft
Artista italiana residente em Nova York, Vanessa Beecroft realizou suas primeiras exposições no início da década de 1990. Naquela ocasião iniciou a série de trabalhos, a qual se dedica até hoje, baseada em performances com modelos femininas nuas ou seminuas. Desde então realizou cerca de sessenta e cinco dessas apresentações as quais denomina VB, letras iniciais de seu nome, seguidas de um número, indicativo do lugar do trabalho numa ordenação cronológica de sua carreira. Em suas performances as modelos são submetidas a rígidas instruções de como se comportar em público, sendo muitas vezes obrigadas a permanecer horas em uma mesma posição. Os trabalhos são filmados e fotografados e os produtos daí resultantes circulam, ao mesmo tempo, como obra e documento das performances realizadas. A maioria delas ocorre em espaços de galerias e museus de arte, como indica a foto aqui presente, tomada no Museu Guggenheim de Nova York. Segundo a historiadora da arte Maria Elena Buzek, Vanessa Beecroft pertence a uma terceira geração de artistas feministas, para a qual as reivindicações originais do movimento foram plenamente assimiladas, mas são consideradas datadas e passíveis de novas formulações. As performances de Beecroft são carregadas de sentidos contraditórios e ambíguos. Situam-se num território indefinido entre arte, moda e espetáculo, mobilizando atitudes sádicas e voyeurísticas do público. Nunca é demais lembrar que as primeiras apresentações de seres humanos em espaços de exposição remontam aos zoológicos humanos das feiras internacionais do século XIX. Tratava-se de locais preparados para a exibição de “exemplares”, pertencentes a povos considerados exóticos e primitivos, colocados à disposição da curiosidade do olhar europeu.

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Cultura e Natureza
A relação entre cultura e natureza manifesta-se frequentemente na arte contemporânea. Essa exposição nos permite entrar em contato com obras de artistas provenientes de contextos socioculturais muito distintos, que a partir de referenciais próprios tangenciam essa questão de diferentes modos. Em geral as obras dão conta do rompimento de uma ligação direta e harmoniosa entre o ser humano e a natureza, se é que ela um dia existiu, e valem-se de um diálogo com a fotografia documental. A paisagem é revisitada como categoria artística, no contexto da tradição da história da arte. Muitos dos artistas aqui presentes recorrem a imagens em série, como alternativa à foto única, buscando uma aproximação mais consistente e reiterativa com seu objeto. O grande formato também se constitui como estratégia, na medida em que a visão ampla dos territórios é não só desejável, como também mais eficaz para esse tipo de abordagem. Além disso, as grandes dimensões impõem uma presença marcante da imagem fotográfica nos espaços da arte, revendo, de certa forma, o lugar que um dia foi ocupado pela pintura histórica. A partir dessa perspectiva podemos observar as obras de Doug Hall, Daniel Klajmic, Claudio Edinger e Vicente de Mello.

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Ações e performances

Os trabalhos de Brígida Baltar, Adriana Varejão, Janaína Tschäpe, Nils Udo e Walter Niedermay, além da Série no Céu, expõem uma tensa relação entre cultura e natureza, muito embora não problematizem diretamente as representações e se situem no terreno das ações e performances artísticas. Se a precariedade dos registros dos anos de 1960 e 1970 são aqui o ponto de partida, há um esmero característico na produção desse tipo de imagem nas últimas décadas, como na obra de Vanessa Beecroft. As ações incorporaram a lógica do dispositivo fotográfico e passaram a ser encenadas para as lentes da câmera, resultando em belas imagens a cores, muitas vezes na forma de séries com cópias de grandes dimensões, que têm como destino certo a exibição nas paredes dos museus e galerias de arte.

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