APRESENTAÇÃO
EnglishMuitos são os adjetivos que se pode utilizar para tentar abarcar a complexidade da vida e da obra de Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976). Dentre esses destacamos
três: o militante, que fala de seu engajamento na luta por justiça social, o boêmio, que evidencia o seu apreço por uma vida sem amarras, e o brasileiro, que se remete à
sua busca incessante pela representação da identidade cultural de seu país. Essas três dimensões estão fortemente presentes na produção gráfica do artista.
Mais conhecido como pintor, Di Cavalcanti iniciou-se na arte por meio do desenho e fez dele um espaço de liberdade temática e estilística, de diálogo com outros artistas
e rica experimentação. Embora esta seja a parte menos difundida e estudada de sua obra, encontra-se muito bem representada na coleção de 561 desenhos, reunidos por ele
próprio, e que hoje integra o acervo do MAC USP. Trata-se do maior conjunto de obras de sua autoria reunido em uma só instituição museológica no Brasil que cobre sua
produção de 1920 a 1950.
Essa exposição é resultado de uma pesquisa de pós-doutorado e apresenta, pela primeira vez, um conjunto expressivo de desenhos de Di Cavalcanti à luz da sua biografia. O
público é convidado a observar suas obras guiado por uma detalhada linha do tempo e pode vê-las também em relação a de outros artistas que lhe foram contemporâneos. Tal
recurso confere à sua produção uma lógica ditada pelos acontecimentos históricos que marcaram a arte e a cultura brasileiras nas sete primeiras décadas do século XX.
Ao longo de sua trajetória, Di Cavalcanti vivenciou os dilemas de um artista de origem humilde, nascido numa família de senhores de engenho, militares e abolicionistas, e
que mais tarde se tornaria um dos protagonistas do modernismo brasileiro. A representação da população afro-brasileira, a militância política comunista, a adesão ao
catolicismo e a luta contra o abstracionismo, são apenas algumas das facetas de alguém que refletiu as ambiguidades de sua época. Se na década de 1920, Di Cavalcanti
exaltou a mulher de pele preta ou parda - então denominada “mulata” - como símbolo positivo da identidade nacional, ao longo dos anos transformou-a em estereótipo,
reiterando preconceitos que deixaram cicatrizes profundas na sociedade atual. Ao contextualizar a vida e a obra do artista, essa exposição busca oferecer a oportunidade
de se avaliar suas intenções e contradições através das lentes do nosso tempo.
Helouise Costa
Marcelo Bortoloti
Curadores
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