20 MAI 2017 - 30 DEZ 2021
Entrada Gratuita

MAC USP no século XXI - A Era dos Artistas


MAC USP NO SÉCULO XXI: A ERA DOS ARTISTAS
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Katia Canton
Curadora

PARTE 1

A palavra curadoria tem sua raiz no grego "curare", que significa cuidar de. O cuidado, nessa exposição, se traduz no modo como ela celebra a diversidade do trabalho dos artistas contemporâneos, abrindo-se para uma multiplicidade de leituras, que podem incluir encontros, fricções, espelhamentos e contrastes que por sua vez tomam forma nos movimentos e relações que se estabelecem entre as obras e o visitante. Particularmente, aqui, cada visitante é convidado, não a conhecer uma determinada proposta ou moldura curatorial, mas a articular suas próprias vivências, conhecimentos e experiências na relação singular com as obras que se apresentam nos espaços das galerias.

Como profissão dotada de uma história específica, podemos considerar a curadoria como uma atividade recente. Foi apenas no final do século XVIII que o curador se estabeleceu profissionalmente como cuidador de uma coleção ou acervo.

Desde então, seu trabalho tem se definido no tempo através de atividades que se guiam a partir da própria coleção, na sua preservação enquanto patrimônio, na catalogação e pesquisa das obras que a integram, na aquisição de novas obras para atualização do conjunto e, finalmente, na exposição desse acervo.

Ainda que, na essência, o papel do curador tenha se mantido como algo que pressupõe uma dedicação a um acervo, o termo curadoria tem adquirido significados mais amplos e contundentes, que se ligam à construção de pensamentos específicos, ou à criação de sentidos, espelhando e refletindo a complexidade da produção artística contemporânea e da própria vida.

Na era contemporânea, sobretudo a partir das duas últimas décadas do século XX, o curador passou a ter uma importância cada vez maior dentro do sistema da arte, a ponto de aquele momento histórico ser referido por muitos como a era dos curadores. A chancela do curador passa a atribuir credibilidade ao trabalho do artista, inserindo-o no sistema através da criação de discursos e leituras que muitas vezes ultrapassam o campo da estética e da história da arte, introduzindo perspectivas filosóficas, antropológicas, sociológicas, ambientalistas, feministas, entre outras, dentro de um universo teórico interdisciplinar. Nesse contexto, algumas vezes, as obras de arte tendem a operar como palavras que compõem frases escritas pelo curador, ou ainda como conteúdos que sustentam molduras teóricas construídas previamente. Ainda que essas leituras ofereçam interpretações ricas e potentes, elas dificilmente dão conta de esgotar as inúmeras possibilidades que se apresentam intrinsecamente à obra de arte.

Nesse sentido, a presente exposição adotou o subtítulo a era dos artistas como alternativa a esse panorama. Aqui, não há um partido teórico ou uma interpretação curatorial específica a priori.


PARTE 2

Antes de tudo, pensamos que seria importante para uma exposição de acervo, de longa duração evitar leituras fixas (1). De fato, vários caminhos foram pensados para exibir esse recorte da coleção do MAC USP, composto de obras realizadas a partir de 2000, adquiridas com apoios diversos e, em sua grande maioria, doadas pelos próprios artistas. O partido escolhido, o da ocupação das obras no espaço respondendo a um percurso organizado pelo sobrenome do artista, tem o intuito de minimizar sentidos pré-estabelecidos de conexão ou evitar temas ou molduras teóricas prévias, para deixar com que as obras adquiram o máximo de mobilidade conceitual. A ideia é deixar que, em suas leituras, elas voem, viagem, aterrissem em certos momentos, para levantar novos voos depois.

A listagem de nomes substituiu o critério cronológico, que seria uma possibilidade. A decisão final considerou que a produção contemporânea possui um fluxo que desobedece a temporalidade horizontal ou a noção cronologicamente organizada de história. No momento contemporâneo, experimentamos o tempo de forma enviesada (2). Ou como afirma o filósofo norte-americano Arthur Danto, vivemos o fim da arte como história linear, no momento em que ela se liberta das flechas do tempo, assumindo um tempo pós-histórico <(3).

A escolha desse tipo de sistematização também responde à construção de pesquisas e curadorias realizadas no MAC USP, desde meados dos anos 1990, intitulada Tendências Contemporâneas. Consideramos que a pesquisa, realizada de maneira consistente, constitui a principal vocação de um museu universitário. Tendências Contemporâneas partiu de um mapeamento da produção brasileira contemporânea, lançando as bases para a compreensão do panorama de pensamento da arte no século XXI (4).

A preocupação com o estabelecimento de um diálogo vivo entre a instituição museu de arte e a com a atualização sistemática do museu em relação à produção contemporânea gerou livros, catálogos, vídeos, encontros e uma série de exposições intituladas Heranças Contemporâneas, que se iniciaram no MAC USP em 1997. O projeto, que buscava compreender as referências conceituais e estéticas da geração que surgia a partir de meados nos anos 1990, consultou e trabalhou junto com os artistas, tanto para elencar os nomes que seriam escolhidos como referências, quanto para a escolha das obras e disposição das mesmas no espaço expositivo. Isto é, substituindo a noção de exposição delineada apenas pela visão do curador, Heranças Contemporâneas tomou corpo como um projeto curatorial organizado junto com os artistas, a partir do que eles apontavam ser as referências e influenciais para construção de sua obra e suas poéticas. A curadoria, no caso, teve o papel de organizar os múltiplos percursos que se traçavam e refletir sobre essas escolhas feitas pelos artistas.

A presente exposição incorpora a atitude de trabalhar junto e propõe justamente uma curadoria quase invisível, que busca colocar o foco expositivo nas obras dos artistas. Não há prévias leituras ou percursos conceituais definidos. As obras se abrem para a exploração livre e às experiências de cada observador que, munido de liberdade, fará suas próprias conexões e relações de identidade e alteridade, entre tantas conversas possíveis.

Isto é, trata-se de uma curadoria que assume a vontade de fazer emergir os significados polivalentes intrínsecos à obra de arte em suas relações com o outro e com os outros, em processos dinâmicos e incessantes. As conexões são fios móveis, que não param de passar.

Notas:
1. Cabe aqui explicar que a exposição MAC USP no Século XXI: a Era dos Artistas tem uma temporalidade expandida e deve ficar, ao menos, 5 anos em cartaz, de forma que o público possa ir e voltar ao espaço, vendo e revendo obras de seu interesse, estando reservada à sala menor uma mobilidade no sentido de eventuais trocas e incorporações de novas obras.
2. O conceito está explicado no livro Narrativas Enviesadas, da coleção Temas da Arte Contemporânea (São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011).
3. Arthur Danto. Após o Fim da Arte: arte contemporânea e os limites da história. (São Paulo: EDUSP, 2006).
4. Uma discussão sobre a pesquisa Tendências Contemporâneas e sobre a série de exposições Heranças Contemporâneas se encontra no livro Novíssima Arte Brasileira: um guia de tendências (São Paulo, Iluminuras, 2000).


MAC USP IN THE 21st CENTURY: THE ERA OF ARTISTS
>português

Katia Canton
Curator

PART 1

The word "curatorship" comes from the Greek, "curare," which means to take care of. In this exhibition, caring can be translated into the way it celebrates the diversity of contemporary artists' work, opening itself to multiple readings that encompass encounters, frictions, mirroring and contrasting, which in turn are shaped by the movements and relations established between works and visitors. In the present case, particularly, visitors are not invited to get acquainted with a specific proposal or curatorial framework, but rather to articulate their own life experiences, knowledge and unique interactions with the works displayed in the gallery spaces.

Considering the history of any profession, curatorship might be seen as quite recent. It was only in the XVIII century that a curator was professionally defined as the person who manages or oversees any given collection.

Since that time, the curator's work has been defined in time by all the activities driven by the collection itself, its preservation and conservation, cataloging and researching the works that are part of that collection, the acquisition of new works and ultimately the exhibition of that collection.

Even though the curator's role was generally understood as something more strictly related to the care of a collection, curatorship has acquired a wider and more pointed meaning, linked to the building of specific thoughts or the creation of a given sense that mirror the complexities of artistic creation and of life itself.

Contemporarily, especially as of the last two decades of the XX century, curators have been gaining importance within the art system. So much so that the era of curators is believed to have started then. With their seal, curators assign credibility to the artist's work, placing it in the art system. Through their philosophic, anthropologic, environmental, feminist or other readings and discourses within an interdisciplinary universe, curators introduce a perspective that often escapes the boundaries of aesthetics and art history alone. In that context, sometimes the work of art tends to operate as words taken from the curator's sentences, or even as contents that support a framework previously constructed. Even though such readings may offer powerful and rich interpretations, they are hardly capable of exhausting the innumerous interpretive possibilities the work of art intrinsically presents.

In this sense, the current exhibition chose to adopt the subtitle The Era of Artists as an alternative outlook. Here there will be no a priori theoretical parti pris or curatorial interpretation.

PART 2

First of all, we deemed it important for a long term museum collection exhibition to avoid fixed readings (1). We indeed had thought of many approaches to display this cutout of the MAC USP collection that encompasses works acquired after the year 2000, with the help of several supports, but mostly donated by the artists themselves. The idea behind organizing the space following the order of the artist's last name was to minimize connections with any pre-established sense or anterior theoretical or thematic framework so that each work would gain its full conceptual mobility. The notion was that readings should be allowed to fly freely, travel and land on given moments and then take flight again.

Listing of names replaced the chronological criterion, which could also have been a possibility. The final decision considered that contemporary production flow does not conform to any horizontal temporality, nor to a historical notion chronologically organized. In the temporal sense, a contemporary moment is a biased time experience (2). Or as North American art critic and philosopher Arthur Danto said, "we live the end of art as a linear story when it frees itself from the arrows of time and assumes a post-historical time (3)."

The choice for this kind of systematization was also driven by the research and curatorial work performed at MAC USP since the mid 90's, named Contemporary Trends. We contend that consistent research should be the vocation of all University museums. The starting point for Contemporary Trends was a mapping of contemporary Brazilian production, which laid the groundwork for an understanding of art in the XXI century (4).

By 1997, MAC USP concerns about creating a living dialogue between art museums as an institution and the systematic updating of museums vis-à-vis contemporary production generated books, catalogs, videos, journeys and led to a series of exhibitions titled Contemporary Legacy. By researching and working with artists to enroll names as references, as well as to sort the works and choose the best display at the exhibition space, this project aimed to understand better the conceptual and aesthetical references of the generation coming after 1990. In other words, by substituting the concept of an exhibition shaped by the curator's view, Contemporary Legacy embodied a curatorial project organized along with artists, starting from what they pointed out to be the references and influences that inspired their work and poetics. The role of curatorship then was to organize the multiple paths that were drawn and to reflect on the choices made by the artists.

The current exhibition incorporates this attitude of working together, proposing an almost invisible curatorship while the focus remains on the artists' work. No readings or conceptual movement paths were previously defined. Works are open to free exploration and to the individual experience of visitors, who are free to find their own connections, identity and alterity relations among the array of possible conversations that can be held.

We are talking of a curatorship role that is purposely willing to let all underlying meanings intrinsic to the work of art emerge and play with one another in dynamic and incessant processes. Connections are threads that will never stop moving.

Notes:
1. It is worth explaining that the exhibition MAC USP in the 21st Century: the Era of Artists is intended to remain open for at least 5 years, so that the public may come and go, view and review the works that most interest each visitor. The smaller room will provide some mobility in the sense that some works can be replaced or new ones incorporated.
2. The concept is explained in Narrativas Enviesadas (Biased Narratives), from the collection Temas da Arte Contemporânea (São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011).
3. Arthur Danto. Após o Fim da Arte: arte contemporânea e os limites da história (After the end of Art: contemporary art and the boundaries of history). (São Paulo: EDUSP, 2006).
4. A discussion about research in Tendências Contemporâneas (Contemporary Trends) and the series of Heranças Contemporâneas (Contemporary Heritage) exhibitions in the book Novíssima Arte Brasileira: um guia de tendências (São Paulo, Iluminuras, 2000).





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